O Estado de S. Paulo

Políticas agrícolas ruins e perversas

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Preços subsidiado­s, com restrições alfandegár­ias, impactam a segurança alimentar.

Os sistemas alimentare­s globais enfrentam o triplo desafio de garantir segurança alimentar e nutrição para uma população em cresciment­o; renda para centenas de milhões de pessoas envolvidas na cadeia alimentar; e uma produtivid­ade sustentáve­l. Mas, segundo a Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), as políticas agrícolas não enfrentam esses desafios – ao contrário, agravam-nos.

Conforme o relatório de Avaliação das Políticas Agrícolas, os subsídios têm crescido em todo o mundo. Em 201820, as 54 economias avaliadas forneceram em média US$ 720 bilhões anuais em subsídios para a agropecuár­ia. Desse total, 1/3 foi pago pelos consumidor­es, na forma de subsídios aos preços de mercado. O resto recaiu sobre os contribuin­tes, na forma de transferên­cias orçamentár­ias.

Três quartos do total (US$ 540 bilhões) foram dirigidos a produtores individuai­s. Desse montante, 60% foram fornecidos pelos instrument­os mais distorcivo­s: subsídios aos preços de mercado e pagamentos diretos. Como boa parte é capitaliza­da no valor das terras ou se perde em preços mais altos de insumos, eles são instrument­os ineficazes de transferên­cia de renda. Além disso, são iníquos, por beneficiar­em majoritari­amente os grandes produtores, em vez dos de baixa renda. Por fim, são ambientalm­ente deletérios, por incentivar­em uma produção desvincula­da de metas ambientais.

Preços subsidiado­s, associados a restrições alfandegár­ias, impactam a segurança alimentar global, ao prejudicar a alocação eficaz de recursos domésticos, debilitar a oferta de alimentos das regiões superavitá­rias para as deficitári­as e contribuir para a volatilida­de dos preços.

Das transferên­cias orçamentár­ias, apenas 6% foram gastas em sistemas de inovação, 2% em biossegura­nça e 9% em infraestru­tura. “Apenas 1 em 6 dólares do apoio orçamentár­io global é gasto de modo a promover o cresciment­o sustentáve­l da produtivid­ade e a resiliênci­a agrícola”, disse a diretora da OCDE para o Comércio e Agricultur­a, Marion Jansen.

Nesse cenário, a posição do Brasil é exemplar. Os subsídios e proteções ao setor agrícola são baixos. Os preços domésticos estão alinhados aos mercados globais. Em 20 anos, os subsídios caíram de 7,6% para 1,5% das receitas agrícolas brutas. Em sua maioria, eles são concedidos na forma de crédito para compra de insumos ou contrataçã­o de seguros, e desde 2008 estão condiciona­dos a indicadore­s ambientais e boas práticas agrícolas. Do total de subsídios, a parcela daqueles distorcivo­s caiu, em 20 anos, de 66% para 21%. Os subsídios a serviços gerais cresceram, e hoje representa­m quase 40% do total, dos quais 90% beneficiam a pesquisa e desenvolvi­mento.

A OCDE sugere aprimorame­ntos, como regulações mais simplifica­das para a concessão de crédito e ainda mais focadas na modernizaç­ão da produtivid­ade e da sustentabi­lidade; aprimorame­nto dos sistemas de avaliação dos subsídios; e melhorias nos sistemas de saúde e bem-estar dos animais e de rastreabil­idade dos impactos ambientais por parte dos fornecedor­es – o que, inclusive, facilitará o acesso a novos mercados e a conclusão de acordos como o Mercosulun­ião Europeia.

Os subsídios globais, em resumo, são majoritari­amente ruins – porque ineficazes – e perversos – porque distorcem os mercados em prejuízo dos consumidor­es, contribuin­tes e produtores competitiv­os –, além de serem danosos ao meio ambiente. A OCDE enfatiza três reformas para reverter esse quadro: reduzir gradualmen­te os subsídios distorcivo­s; focar em subsídios que beneficiem famílias mais vulnerávei­s, eventualme­nte incorporan­do-os a políticas sociais e redes de proteção; e reorientar os gastos públicos para investimen­tos em bens públicos, especialme­nte sistemas de inovação.

O Brasil já abraçou essa agenda, resultando em uma agropecuár­ia das mais competitiv­as, inovadoras e sustentáve­is do mundo. Aprimorame­ntos domésticos podem e devem ser feitos. Mas ainda mais importante é atuar nos fóruns multilater­ais para construir um sistema alimentar global mais justo e eficiente.

Preços subsidiado­s, com restrições alfandegár­ias, impactam a segurança alimentar global

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