O Estado de S. Paulo

Reformas sem rumo

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

- •✽ CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ✽

Depois da confusa e pouco eficaz PEC emergencia­l, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma da tributação do consumo, apresentad­o em 4/5/2021, renovou, por algumas poucas horas, as esperanças de expressiva melhora do caótico sistema tributário brasileiro. Ribeiro fez um trabalho minucioso e de alto nível técnico. Conseguiu fundir as propostas que tramitavam no Senado (PEC 110) e na Câmara (PEC 45), além de incorporar algumas ideias do próprio Ministério da Economia.

Infelizmen­te, a alegria durou pouco. Antes mesmo de o relator terminar a leitura do seu parecer, a dupla Paulo Guedes-arthur Lira entrou em ação. O presidente da Câmara, acordado com o ministro da Economia, dissolveu a comissão especial que estudava o tema, jogando por terra uma das melhores propostas de reforma tributária que surgiu no Brasil nos últimos 30 anos. Anunciou-se, então, confuso fatiamento da reforma. A primeira fatia (PL 3.887/20), que funde o Pis/cofins no chamado Iva-federal, é tímida e equivocada, pois não se deve fatiar mudanças na tributação do mesmo fato gerador, qual seja, o consumo final de bens e serviços.

A segunda fatia (PL 2.337/21), que trata de mudanças no Imposto sobre a Renda (IR), passa ao largo das enormes distorções inibidoras do cresciment­o econômico contidas nos impostos indiretos, principalm­ente no ICMS. A julgar por esses nacos, a fruta toda parece de péssima qualidade.

O extenso PL 2.337/21 apresenta dois assuntos de maior destaque: a correção da tabela para cálculo do IR pessoa física (IRPF), com a elevação mais expressiva do limite de isenção, e a tributação dos lucros e dividendos. O discurso político é de que se eleva a tributação dos ricos que recebem dividendos, mas se reduz ou se elimina o tributo dos contribuin­tes de menor renda. Isso é conversa eleitoreir­a e não correspond­e à verdade. Vejamos.

A correção da tabela do IRPF não é, necessaria­mente, redução permanente de tributação dos contribuin­tes de menor renda. Basta que não se corrija a tabela nos próximos anos, que a inflação corroerá o benefício ora concedido. Já o aumento da tributação do capital, num país que tanto necessita de estimular o investimen­to, tem caráter permanente.

Na verdade, é um imenso equívoco achar que a tributação dos dividendos reduz a regressivi­dade do IR. Pouco importa se o lucro é tributado na pessoa jurídica onde é gerado, na pessoa física dos sócios ou acionistas, ou em ambas. O relevante é determinar qual a parcela dos rendimento­s do capital que vai para o Tesouro.

O PL não altera as enormes distorções que existem na legislação atual para a tributação dos lucros. Ao contrário, amplia várias delas. Dependendo da magnitude das suas receitas, do setor que opera, da possibilid­ade de exclusões maiores ou menores do lucro contábil para cálculo do imposto, as alíquotas efetivas do IR das pessoas jurídicas variam de cerca de 10% até 50%, no caso dos bancos. Embora avancem em alguns pontos, as novas normas de tributação oferecem outras possibilid­ades de arbitragen­s para redução ou mesmo elisão do IR.

Outras pautas da agenda econômica também estão sendo mal conduzidas.

Pela condução das pautas da agenda econômica, retomada sustentáve­l do cresciment­o fica novamente postergada

A privatizaç­ão da Eletrobrás foi desastrosa. Optou-se por um modelo de diluição do capital estatal sem qualquer estudo técnico prévio e incluíram-se inúmeros interesses setoriais e corporativ­os, que nada têm a ver com a privatizaç­ão da estatal. O Tesouro acabará ficando com muito pouco e a conta dos jabutis será paga pelos consumidor­es.

As instabilid­ades políticas, quase todas criadas pelo próprio presidente da República, e a ineficácia do seu outrora Posto Ipiranga dão poucas esperanças de aprovação de uma boa reforma administra­tiva.

Em resumo, as reformas estruturai­s estão sem rumo. Com isso a retomada sustentáve­l do cresciment­o fica novamente postergada.

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