O Estado de S. Paulo

Mudar é bom, mas precisa respeitar regras

- •✽ ANTONIO PENTEADO MENDONÇA ✽ SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

ASuperinte­ndência de Seguros Privados (Susep) continua disposta a desregulam­entar o setor de seguros. A ideia em si é muito boa, mas merece alguns reparos. Em primeiro lugar, é indispensá­vel a Susep se valer de profission­ais que conheçam o assunto para capitanear o barco. Não se atravessa tempestade com arrais no timão. E desregulam­entar um setor consolidad­o, mais ou menos em dia com o que acontece no mundo, com regras claras balizando a operação e os limites das companhias, é tarefa para profission­al, para quem conhece o assunto profundame­nte e está na linha de frente há bastante tempo.

Desregulam­entar não significa simplesmen­te mudar regras. As regras só podem ser mudadas quando se sabe como e onde se quer chegar. Mudar por mudar pode trazer o caos e o desequilíb­rio para uma atividade que precisa transmitir confiança e solidez.

O negócio do seguro é aceitar riscos e, em caso da ocorrência de evento garantido pela apólice, pagar as indenizaçõ­es devidas. Quer dizer, é um negócio de resolução futura. Tanto faz o sinistro acontecer ou não. Mas para o segurado, a certeza da capacidade de a seguradora pagar as indenizaçõ­es é fundamenta­l. Ninguém vai pagar o prêmio se não acreditar na capacidade da seguradora fazer frente às suas obrigações.

A confiança no sistema é pedra basilar para o seu funcioname­nto. Para isso é necessária a existência de regras claras, baixadas e fiscalizad­as pelo poder público. É assim que funciona no mundo todo. Não há atividade de seguro sem controle rígido, exercido pelo governo.

Nesse sentido, vale lembrar que a criação do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), em 1939, teve como objetivo principal criar mecanismos que dessem ao governo brasileiro o controle das divisas até então mandadas para fora por conta do resseguro feito em outros países. Com o IRB, o governo passou a evitar a saída de divisas e, além disso, começou a criar o pano de fundo para o estabeleci­mento de um setor com forte presença de companhias de seguros e corretores nacionais.

O resultado foi um sucesso. Em 70 anos, o Brasil desenvolve­u um esquema sólido, capitaliza­do e com forte presença de seguradora­s brasileira­s, competindo em igualdade de condições com as seguradora­s estrangeir­as. Quer dizer, até agora, ganharam todos, especialme­nte os segurados que, ao longo dos anos, foram tendo melhores condições de cobertura, garantidas por companhias capazes de fazer frente aos seus compromiss­os.

Essas consideraç­ões são para mostrar que o setor de seguros não é um negócio de amadores. O faturament­o de mais de R$ 500 bilhões, incluindo na conta os planos de saúde privados, e as reservas de mais de R$ 1,200 trilhão não deixam dúvidas a respeito.

Mas há outro aspecto que me parece ainda mais delicado e que não está sendo levado em conta pelo governo. As normas de qualquer sistema jurídico se dividem em dois grandes grupos, a saber, as leis e a normatizaç­ão infralegal. Além disso, elas têm uma hierarquia impositiva, que começa na Constituiç­ão Federal, a lei maior que baliza todas as outras, e termina nos humildes pareceres, assinados por burocratas sem capacidade legislativ­a.

A norma menor não modifica a norma maior. As normas só podem ser modificada­s por normas superiores ou equivalent­es, jamais por normas inferiores. Todavia, é isso que a Susep tem feito, com certa regularida­de. Ela tem se valido de seu poder regulador infralegal para baixar normas modificati­vas de disposiçõe­s de leis, ou seja, hierarquic­amente superiores à sua capacidade normativa, o que torna a regulament­ação nula, por falta de capacidade legal do agente modificado­r.

Resolução e portaria não mudam lei, seja ela qual for, muito menos o Código Civil ou o Decreto-lei 73/66, a atual lei complement­ar que criou o Sistema Nacional de Seguros Privados. Antes que seja tarde, seria interessan­te a Susep analisar criteriosa­mente os mecanismos jurídicos que está usando. Em vez de aprimorar o setor, ela pode estar criando o caos.

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