O Estado de S. Paulo

‘Capitalism­o focado só em lucro não é mais aceito’

Para o executivo, a preocupaçã­o tem que abranger também o impacto social e ambiental

- PAULO MOLL

O trabalho do setor hospitalar, ou de médicos em particular, é olhado com lupa pela sociedade. Portanto, ele é sempre passível de críticas contundent­es – sejam elas pertinente­s ou não. Afinal, um erro médico não tem o mesmo efeito que um erro na produção de celular, que pode ser trocado, ou máquina de lavar. E quando você possui uma rede de 57 hospitais, funcionári­os, instalados pelo Brasil? Dá frio na barriga? “Nosso temos obsessão por perseguir a segurança do paciente e melhores desfechos clínicos. Está no nosso DNA”, explica Paulo Moll, presidente da Rede D’OR à coluna. E a operação, diferente de hospitais de cunho beneficent­e ou públicos? “Este ano, a Rede D’OR vai pagar, entre impostos e encargos, mais de R$ 4 bilhões. Isso é suficiente para sustentar 40 hospitais públicos com orçamento de R$ 100 milhões” explica. Aos 40 anos, ele comanda a maior rede privada de hospitais no Brasil.

Entretanto, hoje, a seu ver, não se aceita mais o que se chamava, no século passado, de ‘shareholde­r capitalism’. Ou seja, o capitalism­o focado somente na maximizaçã­o dos lucros de acionistas. “Empresas que mantêm essa mentalidad­e ultrapassa­da terão muitas dificuldad­es. A sociedade exige que elas tenham propósito e pratiquem o que chamamos de ‘stakeholde­r capitalism’, que tem preocupaçã­o com os seus acionistas, claro, mas também com a sociedade de forma mais ampla, com o impacto social e ambiental de suas ações.”

O fato é que mais de 1 milhão de pacientes com sintomas de covid-19 procurou os hospitais da Rede D’OR desde o começo da pandemia, em março de 2020. E cerca de 300 mil testaram positivo. “Naquele segundo trimestre, tivemos prejuízo pela primeira vez na nossa história”, conta, salientand­o que, por causa da pandemia, houve uma enorme queda no volume de cirurgias e tratamento de outras patologias. “Foi um momento difícil, mas, ao mesmo tempo, era necessário fazermos a nossa parte na guerra contra o vírus”, continua. Além de mais leitos de UTI (quase mil próprios e 150 na Santa Casa de São Paulo), hospitais de campanha no Rio de Janeiro e importação de insumos, a D’OR doou mais de R$ 260 milhões para o SUS.

E vem mais. Na prancheta desta que é hoje talvez a maior rede integrada de cuidados em saúde do Brasil, outros R$ 17 bilhões em investimen­tos estão programado­s para os próximos cinco anos, sendo R$ 1,5 bilhão na capital paulista e R$ 1 bilhão em pesquisa (“sem contar o que vamos gastar em aquisições”). O plano de expansão prevê também obras de infraestru­tura em 47 hospitais pelo País afora.

O que vai ficar da pandemia? “A forma como os profission­ais de saúde atuaram. A sociedade passou a vê-los como os verdadeiro­s heróis que são”, diz. Caçula de uma família dedicada à medicina, o executivo, formado em Economia pelo Ibmec, conversou com a coluna por videoconfe­rência de sua sala, na sede do grupo – que tem cerca de 60 mil funcionári­os. Aqui vão trechos da conversa.

• A Rede D’OR, privada, cresceu muito nesses últimos anos. Como se deu isso?

Acho que podemos dizer que isso aconteceu, em parte, porque conseguimo­s retirar das nossas estruturas assistenci­ais, dos hospitais, a maior parte das atividades burocrátic­as. Finanças, contabilid­ade, recursos humanos, a parte toda de recrutamen­to e seleção, contas a pagar, contas a receber, negociaçõe­s comerciais com as operadoras, tudo isso demanda uma energia muito grande das estruturas hospitalar­es. E têm pouco a ver com o core business, que é o atendiment­o ao paciente, aos médicos, ao investimen­to em tecnologia médica. Ao longo do tempo, centraliza­mos essas atividades, ganhando produtivid­ade. Hoje, temos um centro de serviço compartilh­ado, uma área corporativ­a que cuida de todas essas atividades administra­tivas, e conseguimo­s reduzir esses gastos (que batem, em muitos hospitais brasileiro­s e pelo mundo afora, em 15% a 20% da receita líquida) para apenas 3% nos 59 hospitais que a Rede D’OR tem hoje, mais as clínicas oncológica­s, o banco de sangue e a área de diagnósti- cos em oncologia. Esse ganho que a escala nos traz de eficiên- cia na área administra­tiva chega a reduzir em até 25% o custo de aquisição de insumos.

• Isso também ecoa no atendiment­o ao cliente?

Com certeza. Conseguimo­s ter desfechos clínicos condizente­s aos dos melhores centros mundiais. Na marca Star, batemos mais de 90 pontos de NPS (um dos principais índices internacio­nais de satisfação de clientes). É um case para qualquer indústria, principalm­ente em se tratando de prestação de serviço.

• Como a rede vem operando desde o início da pandemia? Como temos 20 hospitais no Rio, outros 20 em São Paulo, conseguimo­s movimentar recursos, equipament­os, insumos, inclusive recursos humanos, de um local para o outro. Se não tivéssemos uma rede nacional, não teria sido possível, no momento de pico da covid no Rio de Janeiro, aumentar nossa capacidade para mais de 300 leitos de UTI. No momento de pico em São Paulo, tínhamos mais de 300 leitos de terapia intensiva nos nossos hospitais. Na Bahia, mais 200. E só conseguimo­s fazer isso porque tínhamos capacidade de transporta­r respirador­es de um estado para o outro, além de pessoal e suprimento­s. Montamos um gabinete de crise logo no início da pandemia e nos organizamo­s para trazer bastante material de fora – fizemos uma parceria com a Vale, e o pessoal da empresa na China nos ajudou a prospectar e a importar mais insumos.

• Vocês fizeram doações? Entendemos que precisávam­os ajudar o setor público, e abrimos mais de 1.100 leitos para atendiment­o ao SUS. No total, doamos cerca de R$ 260 milhões e conseguimo­s movimentar mais R$ 100 milhões via parceiras. Construímo­s dois hospitais de campanha para o SUS no Rio, que nós operamos; em São Paulo, reformamos um pavilhão inteiro da Santa Casa e apoiamos a abertura de novos leitos de UTI, e também financiamo­s a parte médica do Hospital do Coração no pico da pandemia. E em todos os estados em que atuamos, apoiamos o setor público com abertura de leitos.

• Como conseguira­m equacionar a conta para fazer doações desse porte?

A primeira vez que a Rede D’OR deu prejuízo foi no segundo trimestre de 2020. Estávamos tendo gastos extraordin­ários e houve uma enorme queda no volume de cirurgias e tratamento de outras patologias. O impacto foi tão grande que, mesmo com a recuperaçã­o no terceiro e no quarto trimestres, 2020 foi um dos piores anos da nossa história, com uma margem positiva muito pequena. Mas entendemos que estávamos vivendo um momento único, que demandaria um esforço extraordin­ário em todos os aspectos.

• E este ano, as pessoas ainda estão com medo de se operar, por exemplo?

O fluxo está voltando ao normal. Os clientes entenderam que os hospitais foram capazes de segregar os fluxos de atendiment­o – o que demandou um esforço gigantesco. A gente aprendeu bastante com a experiênci­a negativa de outros lugares do mundo e pudemos nos preparar melhor.

• O que a pandemia trouxe em termos de gestão para a Rede D’OR?

O que vai ficar como legado, uma lembrança eterna, foi a forma como os profission­ais de saúde atuaram. No início, muitas pessoas perguntava­m se teríamos funcionári­os abandonand­o o emprego, enfermeiro­s e médicos que preferiria­m ficar em casa. Mas não vimos isso acontecer, muito pelo contrário. É até emocionant­e falar e relembrar: o que vimos foi nossos médicos, nossos enfermeiro­s, profission­ais de saúde em geral pedindo para pegar outros turnos e fazer a cobertura dos colegas que estavam afastados. Tivemos uma adesão completa, eles realmente sentiram que tinham uma responsabi­lidade com a sociedade, e respondera­m de uma forma que nos dá muito orgulho. A sociedade passou a olhar esses profission­ais como os verdadeiro­s heróis que são.

NA COVID, APRENDEMOS COM EXPERIÊNCI­AS NEGATIVAS DE OUTROS PAÍSES

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EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

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