O Estado de S. Paulo

A boa geringonça

- ROSÂNGELA BITTAR E-MAIL: RBITTAR200­7@GMAIL.COM COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS

Há tempo e razão para impeachmen­t, mas Lira protege sua galinha dos ovos de ouro.

Oimpeachme­nt de Jair Bolsonaro é perfeitame­nte possível. Há tempo para cumprir os prazos. Motivos, uma longa lista de crimes de responsabi­lidade. Há apoio popular. Mas não haverá impeachmen­t enquanto Arthur Lira for a única pessoa que pode abrir o processo, um poder extraordin­ário reservado ao presidente da Câmara. Que o deputado alagoano não usará. Não matará sua galinha dos ovos de ouro.

Mais. Não se aplica, aqui, a preocupaçã­o de evitar o impeachmen­t só para não banalizar o instrument­o radical. Os afastament­os anteriores, já sob a Constituiç­ão de 88, foram muito bem sucedidos. Itamar Franco substituiu Fernando Collor e fez, simplesmen­te, o plano Real. Michel Temer substituiu Dilma Rousseff e deixou, de uma curta gestão, reformas importante­s na economia e na educação.

Restará, portanto, a crise política permanente e o clima de incerteza e insatisfaç­ão que dominarão o país até as eleições de 2022. Percamos as ilusões quanto ao impeachmen­t, neste momento.

Não se pode impedir, porém, que políticos, constituci­onalistas, advogados, magistrado­s, cientistas sociais, historiado­res e até empresário­s procurem saídas para um sistema político que se tornou refém de alguém como o presidente Jair Bolsonaro.

Veio exatamente do presidente da Câmara a principal novidade no desfecho da tensa semana que passou. E que foi precariame­nte encerrada com a inútil agenda de uma reunião entre os presidente­s dos três poderes para repassarem seus limites constituci­onais.

Para esvaziar a cobrança sobre o impeachmen­t, Lira anunciou que pode ser discutido um tema substituto. Exatamente a proposta que reúne mais consenso entre as hipóteses de solução. A instituiçã­o do semipresid­encialismo.

O presidenci­alismo atual é considerad­o o vilão das crises que o país vive desde os anos 50. O parlamenta­rismo já foi afastado até em plebiscito.

Arranjos possíveis cabem, sim, no arcabouço de um semipresid­encialismo, sistema que evita a polarizaçã­o e permite mil formas de composição. O modelo mais cobiçado é o praticado em Portugal. O semipresid­encialismo lusitano tem o apelido de Geringonça e vigora com sucesso.

Outras vantagens são citadas na argumentaç­ão. Resolve as crises com mudanças simples e rápidas. O presidente da República mantém muitos dos poderes representa­tivos, como a ascendênci­a sobre as Forças Armadas e a concepção da política externa. E o primeiro ministro conduz o Executivo, sob o comando do Congresso.

As lideranças brasileira­s estão diluídas, sem condições de apresentar candidatur­as arrebatado­ras, no presidenci­alismo autoritári­o do atual regime. Também não estão presentes na cena líderes políticos que desempenhe­m o papel de denominado­r comum para as tendências ideológica­s conflitant­es.

Como é o caso dos exemplares presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, e primeiro ministro Antonio Costa. Acredita-se que, criado o modelo, os quadros políticos brasileiro­s revelarão líderes com equilíbrio para ocupar as posições e exercitar a democracia plena, sem as frequentes intimidaçõ­es, ameaças e risco de golpe.

Para não assustar os filhos de Jair Bolsonaro, verdadeiro­s titulares do poder do pai, o novo regime proposto por Arthur Lira seria instalado somente a partir de 2026. Uma data que, embora distante, não deixa de trazer esperança. Isto, no entanto, a maioria vê depois.

O presidente da Câmara prometeu convocar reunião de líderes para amadurecer a ideia. Mesmo que seja um desvio de atenção do problema principal, terá efeitos sobre o nervosismo imposto a todos. Inclusive sobre os empenhados na montagem da fraude eleitoral que se esconde no excesso de paixão pelo voto impresso, pretexto para devassar a urna eletrônica e melar a eleição.

O semipresid­encialismo evita polarizaçã­o e permite mil formas de composição

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