O Estado de S. Paulo

Mercosul emperrado e dividido

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Com dinamizaçã­o do bloco, Brasil precisa ser qualificad­o.

Fundado há 30 anos, o Mercosul continua longe de alcançar seus principais objetivos – promover a integração dos quatro países-membros e constituir uma plataforma para inserção competitiv­a no mercado global. Outros blocos comerciais criados nesse período, em todo o mundo, promoveram com sucesso o desenvolvi­mento de seus associados, facilitand­o o aumento da produção, a expansão das trocas e a modernizaç­ão econômica e social. No caso do bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, nem sequer os objetivos originais são claramente reconhecid­os pelos governos de todos os países sócios. Os desentendi­mentos foram evidenciad­os, mais uma vez, na última reunião de chefes de Estado, na semana passada. O principal embate ocorreu entre os presidente­s brasileiro, Jair Bolsonaro, e argentino, Alberto Fernández.

Ao assumir, em nome do Brasil, a presidênci­a rotativa do Mercosul, Bolsonaro insistiu em dois pontos por ele defendidos há algum tempo, a redução da tarifa externa comum e a flexibiliz­ação de acordos com parceiros externos ao bloco. Fernández lembrou a exigência de tratamento consensual dessas questões. Consenso, disse o presidente argentino, é a “espinha dorsal” do tratado de criação do Mercosul. O governo uruguaio também tem defendido maior facilidade para acordos com países de fora do bloco.

Todos têm argumentos de peso na defesa de suas posições, mas é preciso levar em conta a natureza do acordo em vigor entre os quatro países. O Mercosul é uma união aduaneira. Constitui, portanto, uma associação mais complexa do que uma área de livre comércio, com objetivos mais ambiciosos e regras mais estritas. Numa união aduaneira, nenhum país pode mudar a tarifa externa comum sem a concordânc­ia dos demais. A mesma limitação vale para acordos comerciais com parceiros de fora. Quanto a esses pontos o presidente argentino tem razão.

Mas o governo brasileiro tem respeitáve­is motivos para propor a redução da tarifa externa comum e a busca de acordos com novos parceiros. O primeiro grande passo foi a conclusão das negociaçõe­s com a União Europeia. Esse objetivo foi atingido graças ao esforço do presidente Michel Temer e de seu colega argentino Maurício Macri, embora a formalizaç­ão do tratado só tenha ocorrido em 2019, quando ambos já estavam fora do poder. Mas é preciso ir mais longe.

Além de buscar mais parceiros, os países do Mercosul precisam entrar com mais firmeza na competição internacio­nal. O Mercosul tem sido, principalm­ente para as indústrias do Brasil e da Argentina, um ambiente confortáve­l, onde se pode negociar amigavelme­nte e com baixo risco de concorrênc­ia externa – exceto pela presença crescente da China. Mas autoridade­s brasileira­s já perceberam a conveniênc­ia dessa maior abertura e até no setor empresaria­l há algum apoio a essa mudança – condiciona­da, é claro, a mudanças favoráveis à maior competitiv­idade industrial. Na Argentina a resistênci­a é muito maior. Nem os empresário­s se dispõem a enfrentar riscos maiores nem o governo se arrisca a propor essa alteração de rumo.

Os governos do Uruguai e do Paraguai têm mostrado maior flexibilid­ade. As autoridade­s uruguaias já insinuaram mais de uma vez a disposição de buscar um caminho de forma independen­te, ampliando acordos comerciais e de investimen­to.

Não está claro como o presidente Jair Bolsonaro percebe e avalia as consequênc­ias e requisitos de uma inserção mais ampla – e mais competitiv­a, é claro – no mercado internacio­nal. Não basta levantar uma bandeira classificá­vel como liberal. É preciso pensar nos fatores prejudicia­is à competitiv­idade brasileira, como os tributos disfuncion­ais, a infraestru­tura deficiente, a inseguranç­a jurídica, os entraves burocrátic­os e as enormes limitações educaciona­is e tecnológic­as.

Em todos esses pontos tem falhado o governo Bolsonaro. Se esse governo pretender, de fato, batalhar pela dinamizaçã­o do Mercosul, terá de pensar nas qualificaç­ões do Brasil para uma participaç­ão maior na economia global e de renegar as próprias políticas.

Bolsonaro acerta ao propor maior abertura, mas não prepara o Brasil para competir

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