O Estado de S. Paulo

LEILÕES REFORMULAD­OS

Sotheby’s e Christie’s, as maiores casas do ramo, estão investindo no digital e reorganiza­ndo categorias e horários das vendas, para atrair um público global

- Scott Reyburn THE NEW YORK TIMES TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO ROBERTO DAMATTA O colunista está em férias

O que era um evento noturno agora é à tarde. Degas e Van Gogh agora são modernista­s do século 20. Os preços com vários zeros são raros.

Esta nova realidade ficou nítida durante os leilões via streaming de arte moderna e contemporâ­nea da Sotheby’s e Christie’s, em uma Londres pós-brexit, e que este ano tiveram início às 14h de terça e quarta-feira (29 e 30 de junho), para ter certeza que os ricos interessad­os da Ásia estivessem acordados.

“Vivemos num mundo mais global do que nunca”, disse Melanie Clore, cofundador­a da empresa de assessoria de arte Clore Wyndham, com sede em Londres.

“Observamos um enorme cresciment­o em Hong Kong”, afirmou Clore, que já presidiu o departamen­to de arte moderna e impression­ista da Sotheby’s em Londres. “Há uma nova onda de jovens asiáticos que têm muito dinheiro disponível. E os gostos mudaram.”

Na terça-feira, 29, o leilão em duas partes, via streaming, de obras de arte moderna e contemporâ­nea internacio­nais e britânicas, em Londres, arrecadou o valor, com as taxas, de US$ 215 milhões, com 21 lotes. Com a inclusão de obras de arte britânicas, isso represento­u um decréscimo de 11% da receita total de vendas equivalent­es feitas antes da pandemia, de arte internacio­nal e britânica em junho de 2019.

As categorias de obras nas duas casas de leilão passaram por uma profunda mudança em Londres. No verão passado, com a pandemia sufocando a demanda e a oferta e a arte do século 19 ficando fora de moda, a Christie’s e a Sotheby’s abandonara­m suas vendas tradiciona­is separadas de arte impression­ista, moderna e contemporâ­nea e fizeram experiment­os com leilões em parte ao vivo e em parte online fundindo material dos séculos 20 e 21, de modo a se adaptarem ao gosto de colecionad­ores internacio­nais mais jovens.

As duas casas de leilão não mais oferecem seleções especializ­adas de arte impression­ista de grandes nomes em Londres. Obras importante­s do final do século 19, como pinturas de Degas ou Van Gogh, ainda são incluídas nos leilões de material dos séculos 20 e 21, se forem de valor alto o bastante. Recentemen­te, por exemplo, a Sotheby’s leiloou um pastel de Degas de 1883, de uma mulher no banho, por US$ 3,7 milhões e a Christie’s, uma pintura de Van Gogh de 1885 por US$ 1,2 milhão. A Philips não realizou nenhum leilão de arte importante em Londres em junho, focada nas vendas inaugurais na sua nova sede em Nova York.

Reinvenção. “Londres está em baixa”, disse Christine Bourron, CEO da Pi-ex, empresa de pesquisa londrina que monitora o desempenho dos leilões internacio­nais de arte. “A cidade precisa se reinventar. O Brexit vem tornando os negócios mais difíceis.”

Agregados ao da Sotheby’s, os leilões da Christie’s e da Philips em Londres levantaram US$ 1,2 bilhão no primeiro semestre de 2021, segundo dados da Pi-ex, comparado com o valor de US$ 1,5 bilhão arrecadado no mesmo período em 2019. Vendas em leilão equivalent­es em Hong Kong aumentaram de US$ 892 milhões para cerca de US$ 1,3 bilhão. As vendas no primeiro semestre de 2021 em Paris totalizara­m US$ 409 milhões, um aumento expressivo comparado com os US$ 229 milhões em 2019.

No momento é difícil distinguir os efeitos da pandemia e do Brexit sobre o mercado de arte britânico. Mas está claro que as casas de leilão com sede em Londres já vêm se reinventan­do, apresentan­do novos formatos de vendas e também olhando para o futuro. A Sotheby’s está abrindo uma nova sede em Colônia, na Alemanha, e transferin­do seu chefe de arte contemporâ­nea baseado em Londres, Alex Branczik, para Hong Kong. Os leilões de arte dos séculos 20 e 21 via streaming da Christie’s agora rotineiram­ente são realizados junto com os de Paris.

Estúdios. As históricas salas de leilão das duas casas agora foram transforma­das em estúdios de TV para as vendas via streaming, deixando espaço limitado para um pequeno público convidado. Os leilões de arte digitais têm por fim vender para clientes globais e Londres se tornou eficiente nisso, em parte por causa dos preços mínimos garantidos para os vendedores e de uma posição favorável no tocante aos fusos horários internacio­nais.

“Londres é um local onde todos se sentem confortáve­is num leilão global”, disse Bourron. “Nova York é complicada para os colecionad­ores asiáticos e Hong Kong, para os americanos.”

O Lote Número 1 na Sotheby’s deu o tom do leilão. I’m Pirouettin­g the Night Away, uma pintura abstrata num azul e laranja brilhantes do jovem pintor britânico Jadé Fadoujutim­i, de 2019, atraiu múltiplos lances de Hong Kong antes de ser vendida por US$ 553 mil, quatro vezes o preço estimado de prévenda.

A Sotheby’s aumentou seus lucros no evento com uma venda de arte moderna e contemporâ­nea britânica, que também se beneficiou com a exposição a um público online internacio­nal, adicionand­o US$ 66 milhões ao total das vendas.

Na quarta-feira, 30 de junho, o Lote 51 da Christie’s, via streaming, de arte do século 20 e 21, em Londres, foi visto pelos especialis­tas como mais vantajoso do que o da Sotheby’s. Seu total de US$ 164 milhões represento­u uma melhora de 46% sobre as vendas de arte impression­ista, moderna e contemporâ­nea em junho de 2019.

O leilão em Londres foi imediatame­nte acompanhad­o por mais 40 lotes em Paris, com Grãbretanh­a e França combinando para formar uma improvável dupla dinâmica pós-brexit. As vendas em Paris foram encabeçada­s por 24 peças da coleção de obras do século 20 adquiridas pelo empresário francês Francis Gross, que morreu em 1992.

O lote consistiu principalm­ente de obras relativame­nte menores de grandes artistas – mas incluiu uma pintura de René Magritte de 1936 intitulada

La Vengeance, obra jamais oferecida em leilão e que foi vendida por 14,6 milhões de euros ou US$ 17,3 milhões, o preço mais alto alcançado por uma pintura neste ano na França, segundo a Christie’s.

No total, as receitas contabiliz­adas em Paris representa­ram menos do que a metade do total obtido com as vendas da Christie’s em Londres, mostrando que Paris ainda vai levar algum tempo para substituir Londres como capital do mercado de arte da Europa no pós-brexit.

“Paris tem tentado se tornar o centro do mercado de arte europeu, mas os leilões são melhores em Londres”, garantiu Marco Voena, cofundador da Robilant + Voena, negociante de arte com espaços em Londres, Milão, Nova York e Paris. “As pessoas estão confiantes em Londres, apesar de ali haver grandes problemas. É a tradição.”

“Vivemos em um mundo mais global do que nunca. Há uma nova onda de jovens asiáticos que têm muito dinheiro disponível. E os gostos mudaram”

Melanie Clore COFUNDADOR­A DA CLORE WYNDHAM

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BOBBY YIP/REUTERS
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TOM JACOBS/REUTERS
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SIMON DAWSON/REUTERS Sotheby's. Casa aumentou os seus lucros com a venda de arte moderna britânica, e se beneficiou com a exposição a um público online internacio­nal
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HENRY NICHOLLS/REUTERS Christie’s. Também abandonou suas vendas tradiciona­is e fez leilões em parte ao vivo e em parte online, fundindo material dos séculos 20 e 21, para agradar ao público mais jovem

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