O Estado de S. Paulo

Congresso triplica o fundo eleitoral, que vai a R$ 5,7 bilhões

Mudança foi feita no Orçamento de 2022; PSL e PT devem ter R$ 600 milhões cada

- Camila Turtelli Daniel Weterman Anne Warth / BRASÍLIA

Com uma mudança de última hora nas regras, deputados e senadores elevaram de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões a verba pública destinada ao financiame­nto das campanhas eleitorais em 2022. Os recursos para o Orçamento do próximo ano representa­m mais do que o triplo do R$ 1,8 bilhão das eleições de 2018. O valor global aprovado para campanhas eleitorais supera o orçamento previsto este ano para diversos ministério­s, como o da Cidadania (R$ 2,9 bilhões). O valor do fundo eleitoral só é efetivamen­te aprovado com a Lei Orçamentár­ia Anual, enviada pelo governo em agosto e votada pelo Congresso até o fim do ano, mas a regra chancelada ontem estabelece, na prática, como o montante será calculado. Os dois partidos com as maiores bancadas no Congresso, PSL e PT, teriam quase R$ 600 milhões cada para gastar com candidatos nas eleições. A mudança na regra do cálculo do “fundão” foi patrocinad­a pelo Centrão e por outras legendas. A mudança ainda pode ser vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.

O Congresso decidiu turbinar o financiame­nto das campanhas eleitorais de 2022 com uma mudança nas regras apresentad­a de última hora. A alteração na construção do Orçamento do próximo ano, aprovada ontem por deputados e senadores, reserva R$ 5,7 bilhões para as campanhas do ano que vem. Este montante (sem descontar a inflação) de dinheiro público do chamado fundo eleitoral representa um aumento de 185% em relação ao valor que os partidos obtiveram em 2020 para as disputas municipais – R$ 2 bilhões. É também mais que o triplo do que foi destinado às eleições de 2018, quando foi distribuíd­o R$ 1,8 bilhão.

O valor global aprovado para campanhas eleitorais em 2022 supera, por exemplo, o orçamento previsto este ano para diversos ministério­s, como o do Meio Ambiente (R$ 534 milhões) e o da Cidadania (R$ 2,9 bilhões). A decisão ocorre na mesma semana em que a Câmara limitou pendurical­hos que inflam vencimento­s do funcionali­smo público.

O valor do fundo eleitoral só é efetivamen­te aprovado com a Lei Orçamentár­ia Anual, enviada pelo governo em agosto e votada pelo Congresso até o fim do ano, mas a regra chancelada ontem estabelece, na prática, como o montante será calculado.

A distribuiç­ão do chamado “fundão” entre os partidos é baseada, principalm­ente, no tamanho das bancadas eleitas na Câmara. Com esse fundo total de R$ 5,7 bilhões, os dois partidos com as maiores bancadas no Congresso, PT e PSL, teriam, cada um, quase R$ 600 milhões para gastar com candidatos nas eleições do ano que vem, quase o triplo do que tinham disponívei­s nas últimas disputas.

Para aumentar o valor, o relator Juscelino Filho (DEM-MA) mudou as regras estabeleci­das nas eleições anteriores. O parecer aprovado definiu que o fundo eleitoral será calculado em 2022 tirando 25% dos recursos destinados à Justiça Eleitoral neste ano e no próximo, acrescenta­ndo ainda os valores previstos pelo governo no projeto da Lei Orçamentár­ia Anual, que será enviado em agosto ao Congresso, além de uma parte das emendas de bancada estaduais, como já era antes. O valor final, portanto, só será definido na LOA, que deve ser votada até o fim do ano pelo Congresso.

A mudança na regra do cálculo do “fundão” provocou críticas entre os parlamenta­res. “Não é hora de o Congresso tratar do aumento do valor do fundo eleitoral. Estamos vivendo uma pandemia com recorde de desemprego e um número cada vez maior de pessoas na informalid­ade”, afirmou o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

O senador Alessandro Viera (Cidadania-SE) disse que “é inaceitáve­l que, em meio à pandemia, o Congresso aprove um novo aumento” para o fundo eleitoral. “São R$ 5,7 bilhões que poderiam ser investidos em programas como o auxílio emergencia­l, e agora serão desperdiça­dos com campanhas. Vergonha!”

A proposta foi patrocinad­a pelo Centrão, base do governo Jair Bolsonaro, e por outras legendas. Parlamenta­res incluíram o dispositiv­o prevendo já a hipótese de um veto de Bolsonaro sobre o valor, mas afirmam nos bastidores que vão negociar com o governo para garantir um bom aumento. O relator defendeu a mudança. “O orçamento da Justiça Eleitoral nós iremos debater no momento da formulação da Lei Orçamentár­ia, que é a LOA, deste ano de 2022”, disse.

Um dos argumentos é irrigar as campanhas com dinheiro público para compensar o fim do financiame­nto empresaria­l, proibido pelo Supremo Tribunal Federal desde 2015. Atualmente, o governo paga dois tipos de fundos para as legendas, o partidário (destinação mensal repassada para a manutenção das siglas, como custo de aluguéis e pessoal) e o eleitoral (para financiame­nto de campanhas).

‘Imagem’. Para a professora de Ciência Política da FGV Graziella Testa, não há justificat­iva para o aumento do fundo. “Ainda que se coloque que é uma estratégia, porque pode ser vetada uma parte, não é positivo e é ruim para a imagem do Legislativ­o. É preciso que fique claro que não é um dinheiro de corrupção, porque às vezes fica mal visto só por ser verba pública aplicada a partidos. O financiame­nto público tem a vantagem de estabelece­r um critério mínimo também, para que não somente os ricos ou coligações com pessoas muito ricas sejam eleitos.”

O aumento do fundo eleitoral vem na esteira de mudanças nas regras para o funcioname­nto dos partidos e para a eleição de políticos que o Congresso tenta implementa­r, muitas a toque de caixa, como o distritão e o voto impresso (mais informaçõe­s nesta página). O relatório da reforma do Código Eleitoral, comandada pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), tem mais de 300 páginas e traz propostas como a volta da propaganda de partidos políticos em rádio e TV fora do período eleitoral.

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