O Estado de S. Paulo

Criminalid­ade e mais armas elevam número de assassinat­os

- Felipe Resk

Após dois anos de queda, o Brasil voltou a registrar alta de homicídios em 2020, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com mais armas em circulação, rearranjos na disputa do crime organizado e cenários de tensão entre policiais e governos estaduais, foram notificado­s 50.033 assassinat­os no País no ano passado, marcado pela pandemia. É o equivalent­e a uma morte a cada dez minutos, ou 4,8% a mais ante 2019.

Segurança. Com 50.033 vítimas em 2020, País interrompe sequência de dois anos de queda de homicídios em meio à pandemia e tem piora mais crítica no Nordeste, mostra Anuário da Segurança Pública. Conflitos entre facções criminosas também contribuem para a alta

Com mais armas de fogo nas mãos de civis, rearranjos na disputa do crime organizado e cenários de tensão entre policiais e governos estaduais, o Brasil interrompe­u uma sequência de dois anos em queda e voltou a registrar aumento de homicídios em 2020, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados ontem. Ao todo, foram notificado­s 50.033 assassinat­os no País durante o ano passado, marcado pela pandemia. É o equivalent­e a uma morte a cada dez minutos, ou 4,8% a mais em relação a 2019.

A taxa do Brasil chegou a 23,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2020 – resultado pior do que no ano anterior, quando foi registrado o menor índice da década (22,7), mas ainda melhor do que nos demais anos desde 2011. Em 2019, haviam sido 47.742 assassinat­os.

Os dados, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, são compilados com base em registros policiais de cada Estado. Para o índice, o Fórum considera a soma de homicídios dolosos (com intenção de matar), latrocínio­s (roubo seguido de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrente­s de ação policial.

O mau desempenho geral do País foi puxado por homicídios comuns (que subiram 6%, passando de 39,7 mil para 42,1 mil casos) e pela letalidade policial (de 6,3 mil para 6,4 mil, ou 1% maior). Este último índice, inclusive, só registra aumentos desde 2013. Os assassinat­os de agentes de segurança também cresceram no período, de 172 para 194 casos, mas representa­m 0,4% das mortes violentas e impactam menos no resultado final do balanço.

Houve alta das mortes violentas em 16 das 27 unidades federativa­s, sobretudo no Nordeste. O mais preocupant­e é o Ceará, com 4,1 mil assassinat­os e alta de 75,1% em relação ao ano anterior. O Estado havia sido recordista de queda em 2019.

Diretor-presidente do Fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima atribui a escalada de violência no Estado à crise com a greve da Polícia Militar ano passado – houve atuação de grupos encapuzado­s e até toque de recolher. “O Ceará liderava a queda de homicídios nos anos anteriores, mas o grande marco de virada foi o motim da PM”, diz. “Há tensão cada vez maior em torno das leis orgânicas e da politizaçã­o das polícias.”

O Fórum destaca que o episódio, além de afetar políticas de segurança, favoreceu facções.

“Esse processo de desarranjo político das instituiçõ­es cearenses deu margem para os planos de expansão do Comando Vermelho local, que iniciou ofensiva sobre os território­s dos Guardiões do Estado – seu maior rival local, e a violência, que estava contida, voltou”, diz o texto.

Estados que também tiveram atrito entre forças de segurança e governos locais aparecem na sequência de maiores altas: proporcion­almente, Maranhão (30,2%), Paraíba (23,1%), Piauí (20,1%) e Alagoas (13,8%). Para analistas, fatores como desemprego e saúde mental na quarentena também podem ter peso.

Para o Fórum, outra explicação significat­iva para a subida das mortes é o aumento de armas de fogo no País, bandeira do governo Jair Bolsonaro. Hoje há 2.077.126 armas particular­es. Só em 2020 o incremento foi de 186.071 novas armas registrada­s na Polícia Federal, 97,1% mais em relação ao ano anterior, tendo duplicado o número de armas longas, como carabinas, espingarda­s e fuzis. Em paralelo, o Brasil viu crescer a presença das armas de fogo nos assassinat­os registrado­s. Em 2019, elas foram usadas em 72,5% dos homicídios; no ano passado, 78%.

“Já é possível perceber a correlação entre o aumento de armas de fogo e o números de assassinat­os. Para o País inteiro, a política de liberaliza­ção começa a ter efeito nas ruas, embora essa não seja a única causa”, afirma Lima. Na visão de especialis­tas, políticas para redução de crimes contra a vida passariam por aperfeiçoa­r o controle e rastreabil­idade das armas.

“É importante dizer que o cresciment­o de homicídios é multicausa­l, envolve uma série da fatores”, diz Isabel Figueiredo, conselheir­a do Fórum. “Por outro lado, não dá para ignorar um conjunto de evidências científica­s já consolidad­as de que o aumento de armas de fogo em circulação impacta nos assassinat­os”, diz ela, que prevê novas altas nos próximos anos.

Entre os indicadore­s de mortes violentas, caíram os latrocínio­s (-9,9%) e lesões corporais seguidas de morte (-11,3%). Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança não comentou.

São Paulo. Com a menor taxa de homicídios do País, São Paulo teve mais assassinat­os (1,2%) em 2020. Em janeiro, o governo paulista avaliou que o aumento atípico estaria ligado a conflitos interpesso­ais – brigas ou desavenças entre conhecidos–, o que se agravaria no confinamen­to. Outra hipótese é que o cerco maior contra o Primeiro Comando

• Guerra de facções

“Como efeito do enfraqueci­mento do PCC, houve reconfigur­ação do crime, abrindo espaço para outras facções, principalm­ente no Nordeste.”

Renato Sérgio de Lima PRESIDENTE DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

da Capital (PCC) pode ter gerado disputas violentas pela chefia da facção, afirma Lima. E isso pode influencia­r o País todo. “Como efeito do enfraqueci­mento do PCC, houve reconfigur­ação do crime, abrindo espaço para outras facções, principalm­ente no Nordeste.”

Somam-se a isso a falta de policiamen­to causada por reflexo da pandemia. Escutas feitas pelo Fórum com mais de 6,6 mil agentes apontam que 29,5% se afastaram em algum momento após testar positivo para covid.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, da gestão João Doria (PSDB), disse que “as oscilações” nos registros criminais têm sido analisadas. Uma das estratégia­s para retomar a queda de índices, acrescento­u, é intensific­ar operações contra o crime organizado e o tráfico de drogas.

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