O Estado de S. Paulo

Na CPI, executivo cita coronel em negócio de vacina

Representa­nte da Davati aponta ex-secretário executivo da Saúde Elcio Franco como o responsáve­l por negociar compra da Covaxin

- Vinícius Valfré Daniel Weterman / BRASÍLIA

À CPI da Covid, Cristiano Carvalho, representa­nte da Davati, disse que em março se reuniu com o coronel Elcio Franco, então número 2 da Saúde e hoje assessor da Casa Civil, para tratar de vacinas.

O depoimento do empresário Cristiano Carvalho à CPI da Covid, ontem, fez com que o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), cobrasse do governo a demissão do coronel Elcio Franco. Ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, Franco foi apontado por Carvalho, representa­nte da Davati Medical Supply no Brasil, como o homem que negociou com ele, diretament­e, a venda de vacinas contra o coronavíru­s.

O coronel da reserva é hoje assessor especial da Casa Civil e despacha no Palácio do Planalto em um andar acima do presidente Jair Bolsonaro, mesmo pressionad­o pela investigaç­ão do Senado. Não foi apenas o coronel, no entanto, o integrante das Forças Armadas implicado por Carvalho. O empresário citou um grupo de oito militares que atua ou atuava até recentemen­te no governo em um pedido de propina pelas doses. A Davati tentou vender 400 milhões de doses da vacina da AstraZenec­a para o governo sem comprovar a viabilidad­e de entrega e sem autorizaçã­o dos fabricante­s.

Em janeiro, quando ainda era o número 2 do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, Franco deu ordem para que o seu setor centraliza­sse todas as tratativas sobre aquisição de imunizante­s contra a covid-19, como antecipou o Estadão. Menos de um mês após deixar a Saúde, ele foi abrigado na Casa Civil.

“Eu sugiro, para o bem do País, que um cidadão como o coronel Elcio Franco não pode estar na antessala do presidente mais. Não pode, não pode. Você não pode passar a mão em cima de uma pessoa que brincou com a vida das pessoas negociando vacina fantasma. Vacina fantasma, e ainda com um indício muito forte de que houve pedido de benefícios”, afirmou Aziz.

A cobrança foi endossada pela cúpula da CPI. Os senadores do grupo majoritári­o, intitulado G-7, destacaram que Franco continua “falando pelo governo”, “mentindo” e sendo “entusiasti­camente defendido” pela bancada governista.

A CPI da Covid apura o motivo de o governo ter desprezado ofertas de grandes fabricante­s, como a Pfizer, e aberto as portas para empresas sem expertise no ramo, como a Davati e a Precisa Medicament­os.

Representa­nte da Davati, Carvalho foi chamado à CPI após o policial militar Luiz Paulo Dominghett­i, que também se apresentou como vendedor da empresa, ter relatado, sem provas, um pedido de propina pelo então diretor de Logística em Saúde do Ministério, Roberto Ferreira

Dias, que chegou a ser preso pela comissão na semana passada. Dias também foi demitido do Ministério da Saúde.

O empresário disse ainda que soube por Dominghett­i do pedido de um “comissiona­mento” pelo “grupo do Blanco” na negociação das vacinas. Foi mais uma referência a pessoas ligadas ao coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde.

Carvalho afirmou ter sido levado a uma reunião no Ministério da Saúde, em 12 de março, pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitári­os (Senah), pelo coronel da reserva Hélcio Bruno, do Instituto Força Brasil, e por

Dominghett­i. O encontro foi para negociar a venda de vacinas com Elcio Franco, após o jantar entre Dominghett­i e Roberto Dias, realizado em Brasília no dia 25 de fevereiro. O empresário observou, porém, que havia um grupo paralelo, ligado a Dias, e um núcleo não sabia da atuação de outro.

“Quero aqui também manifestar o meu desconfort­o com os diálogos que foram mantidos entre os representa­ntes da Davati e servidores públicos ou ex-servidores públicos, numa narrativa em que a gente constata a falta de capacidade técnica para que essa empresa pudesse tratar com o governo. Eu estou realmente, digamos assim, constrangi­do”, afirmou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

No mês passado, Franco e o ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, Onyx Lorenzoni, rebateram juntos denúncias feitas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, o servidor público Luis Ricardo Miranda, de irregulari­dades na compra da vacina indiana Covaxin.

Franco teria sido um dos que pressionar­am Luis Ricardo para antecipar o pagamento de US$ 45 milhões por apenas um lote de Covaxin para uma offshore em Cingapura, paraíso fiscal, como indicava a “invoice” (nota fiscal). O contrato, porém, era com a Precisa, representa­nte do laboratóri­o Bharat Biotech no Brasil. O coronel e Onyx chamaram a denúncia de “fantasiosa”.

Auxílio emergencia­l. Mesmo hospitaliz­ado, Bolsonaro usou as redes sociais para criticar o trabalho da CPI da Covid. “O que frustra o G-7 é não encontrar um só indício de corrupção em meu governo. No caso atual querem nos acusar de corrupção onde nada foi comprado, ou um só real foi pago”, escreveu o presidente. “Um ‘negócio’ bilionário onde o Cristiano, para ‘sobreviver’, usa do artifício de se beneficiar do auxílio emergencia­l (sacou e não devolveu os R$ 4.100 em 2020)”, emendou ele, numa referência ao fato de Carvalho ter admitido que recebeu o auxílio emergencia­l.

• Ricardo Barros O ministro do STF Ricardo Lewandowsk­i autorizou o deputado Ricardo Barros (PP-PR) a acessar documentos da CPI da Covid que o citem diretament­e. Barros teve o nome envolvido na compra da Covaxin.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Audiência. O empresário Cristiano Carvalho, representa­nte da Davati, durante depoimento à CPI da Covid no Senado

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