O Estado de S. Paulo

O SUS no pós-pandemia

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A demanda depois da pandemia exigirá integração de redes municipais a estaduais e gerenciame­nto informatiz­ado.

Foi promulgada, em 10 de julho de 2001, uma das leis que deram vida à Constituiç­ão Federal, a Cidadã. Trata-se da lei 10.257, que regulament­a os artigos 182 e 183 da lei maior e é conhecida como Estatuto das Cidades.

A cidade é onde o cidadão está e onde muitas das questões relevantes do existir devem ser resolvidas. A CF de 88 tem uma marcada tendência à descentral­ização e à municipali­zação. Acho essa marca do ordenament­o jurídico importante para construir um país melhor.

Mas há problemas que não podem

GVECINA@UOL.COM.BR ser resolvidos no espaço do município e talvez nem no do Estado. A questão do saneamento básico ainda hoje cria discussões complexas devido à possibilid­ade de municípios terem seus próprios sistemas, que acabam por não permitir melhores soluções de acesso a água tratada e a um adequado sistema de esgotos.

Com certeza isso se deve a heterogene­idade dos municípios brasileiro­s e sua proliferaç­ão pós-promulgaçã­o da CF. O maior município tem quase 12 milhões de habitantes e o menor, pouco mais de 800 habitantes.

Certamente existem muitas abordagens diferentes para tratar dos diferentes setores que devem se articular para produzir um razoável estado de bem estar social. Eu, certamente, não sou a pessoa mais indicada para discuti-los. Mas na área da saúde quero trazer à tona a espinhosa discussão do ordenament­o do SUS e o arranjo federativo.

Nos anos pós-promulgaçã­o da CF, foi com certeza o município quem mais impulsiono­u a implementa­ção do SUS. Essa ação contou com a participaç­ão ativa do Ministério da Saúde, via recursos do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos Municipais de Saúde e também dos Estados, que tinham papel muito maior na assistênci­a pré-SUS. Mas a situação se inverteu na estruturaç­ão do SUS, pois essa atribuição de prestar assistênci­a primaria à saúde passou a ser municipal e os Estados promoveram alegrement­e a municipali­zação de seus serviços de atenção primária.

Com isso os municípios entraram no processo de atenção e os Estados recuaram. Mas em nenhum Estado se buscou procurar o ordenament­o do acesso aos serviços de maior complexida­de prestados por eles e por cidades de maior porte. Na maioria dos Estados há um sistema de acesso operado por eles e os serviços municipais não estão integrados, permitindo a duplicação de filas, o absenteísm­o a consultas, a não gestão de filas de acesso a serviços mais complexos. Durante a pandemia ganhou expressão a questão das filas únicas das UTIs.

Mesmo em municípios de grande porte e com uma rede própria importante, essa integração não existe e o desperdíci­o de atos médicos chega a ser de 40% da oferta! Por que não se integram? A questão é quem comanda a rede integrada. Isso não se resolveu mesmo com o mesmo partido político estando presente no município e no Estado. Até hoje esse não foi considerad­o um problema republican­o. Temos uma imensa dificuldad­e em saber qual é a demanda e isto em parte pelo fato de a oferta estar pulverizad­a.

Mas neste ponto da vida do País e com o esfacelame­nto produzido pela pandemia e pelas exigências assistenci­ais pós-pandemia, teremos de ter condição de ultrapassa­r essas dificuldad­es políticas paroquiais e oferecer a solução correta e conhecida à população. Integrar as redes assistenci­ais municipais e estaduais, dotá-las de um sistema de gerenciame­nto informatiz­ado (já disponível) e de um modelo de governança a ser pactuado.

Precisamos integrar as redes assistenci­ais e ter um modelo de governança, a ser pactuado

FUNDADOR E EX-PRESIDENTE DA ANVISA, É MÉDICO SANITARIST­A E PROFESSOR DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO (FSP/USP)

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