O Estado de S. Paulo

Ataque à Federação e ao vale-refeição

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Estados, municípios e assalariad­os também perdem com a reforma tributária.

Quem acha ruim a reforma tributária em discussão no Congresso pode estar sendo otimista. Sua opinião poderá ser ainda mais negativa, hoje ou amanhã, quando novos detalhes forem separados e expostos a todos, como tem ocorrido nos últimos dias. O relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), pode ter corrigido excessos da proposta do governo – por exemplo, recalibran­do a taxação prevista para os lucros e dividendos distribuíd­os. O ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou reconhecen­do erros na “dosimetria” das alíquotas. Mas o resultado geral se mostra mais feio a cada dia, e para isso tem contribuíd­o o trabalho do relator.

Estados e municípios poderão perder entre R$ 23 bilhões e R$ 30 bilhões, segundo tributaris­tas consultado­s pelo Estado, como consequênc­ia de um dos ajustes incluídos no parecer do relator. Ao recalibrar a alíquota do Imposto de Renda (IR) sobre as empresas, ele sujeitou o Tesouro Nacional a uma perigosa perda de receita. Esse risco foi logo apontado por especialis­tas. Mas essa redução afetaria também as transferên­cias para os cofres estaduais e municipais, previstas na Constituiç­ão, e esse foi o destaque seguinte do noticiário sobre a reforma. Seria um gesto de cortesia com chapéu alheio.

São Paulo perderá menos que outros Estados, porque já recebe uma fatia menor do Fundo de Participaç­ão nos tributos federais, mas nem por isso o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, deixou de criticar a proposta. Esse projeto, segundo ele, “é voltado para resolver o problema federal”. Não é, acrescento­u, um projeto de reforma tributária.

Ao indicar possíveis compensaçõ­es para a perda geral de receita do IR, inicialmen­te estimada em R$ 30 bilhões, o relator propôs o fim de isenções para 20 mil empresas. Mas o ganho fiscal, nesse caso, estará concentrad­o em tributos absorvidos unicamente pelo poder central, sem divisão com Estados e municípios.

“O relatório é um escândalo, tanto por desonerar a renda das empresas e pessoas mais ricas do País, num momento em que o mundo tenta avançar no sentido contrário, quanto por produzir um rombo de pelo menos R$ 30 bilhões nas contas públicas”, protestou a Confederaç­ão Nacional de Municípios (CNM). Segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, a confederaç­ão tentará mobilizar sua base parlamenta­r contra essas distorções.

Mas a essas críticas logo se somou a reação a outra mudança proposta pelo relator, a extinção do incentivo fiscal ao Programa de Alimentaçã­o do Trabalhado­r (PAT). Sem o incentivo, empresas poderão deixar de conceder benefícios como o vale-refeição e o vale-alimentaçã­o. Segundo empresas fornecedor­as de cartões, 20 milhões de trabalhado­res poderão ser diretament­e prejudicad­os, com perda de qualidade de vida. Mas também serão afetadas muitas empresas, incluído enorme número de restaurant­es e lanchonete­s muito dependente­s dessa clientela, além de supermerca­dos e armazéns.

Além de socialment­e negativa e prejudicia­l a milhares de empresas, essa mudança pode prejudicar também o Tesouro. O benefício custa ao governo cerca de R$ 1,2 bilhão, mas o Tesouro recolhe o triplo desse valor em impostos pagos pelo setor de alimentaçã­o, argumenta o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es, Paulo Solmucci. “Não faz sentido. Como podem sugerir”, prosseguiu, “acabar com uma lei amplamente estudada e que passou por vários governos, sem discutir com a população, para cobrir um buraco deixado por uma proposta de reforma tributária mal elaborada?” Criado nos anos 1970, ainda no regime militar, o PAT foi mantido por todos os governos, até agora, com benefícios bem distribuíd­os entre empregados e empresas.

Mas o relator cuidou de outros interesses. Estava prevista no projeto original a tributação de lucros de empresas domiciliad­as em paraísos fiscais e pertencent­es a brasileiro­s, mesmo sem a transferên­cia desses lucros para o Brasil. Essa inovação, em linha com a tendência da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), foi eliminada pelo relator.

Estados, municípios e assalariad­os também perdem com a reforma tributária

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