O Estado de S. Paulo

Vendo gente de rabo preso

- ✽ Aloísio de Toledo César ✽ DESEMBARGA­DOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

Alíngua portuguesa tem expressões bastante curiosas e uma delas é quando se diz que “fulano está com o rabo preso”. Além do sentido literal, estar com o rabo preso significa estar obrigatori­amente dependente de outro e obrigado a fazer o que esse outro desejar.

É o caso em que se encontra, por exemplo, o deputado federal Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que foi eleito para o cargo pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Esse deputado alagoano já não tem vontade própria, nem a liberdade que lhe permitiria, por exemplo, dar andamento ao processo de impeachmen­t, prerrogati­va somente dele.

Jair Bolsonaro proporcion­ou-lhe muitas e preciosas vantagens. Realmente, o presidente transferiu-lhe grande poder, até o de ser o terceiro no caso de vaga da Presidênci­a da República. Quando percebeu que precisaria ter a Câmara dos Deputados aos seus pés, e não ficar, como Dilma Rousseff, dependente dela, Bolsonaro criou um grupo de aliados que o seguiram e ainda estão ao seu lado.

Esse grupo recebeu o nome de Centrão e dele fazem parte deputados que negociaram e continuam a receber vantagens para rezar pela cartilha de Bolsonaro. Lula fez isso na sua época, quando liberou José Dirceu para gastar o que fosse necessário para formar a aliança capaz de permitir, no Legislativ­o, transforma­r progressiv­amente o Brasil numa enorme Cuba.

Os deputados e senadores que foram amansados por Bolsonaro sabem que perderão cargos e vantagens se não obedecerem fielmente ao que o patrão lhes ordena. Bolsonaro sabe distribuir poder, mas também sabe cobrar, ou seja, sabe mostrar que pedirá de volta o que foi dado e que causará enormes perdas de poder aos desobedien­tes.

Essa é a situação em que se encontra o deputado federal alagoano Arthur Lira, que não é nem livre nem independen­te, porque pode perder os cargos e vantagens. Em situação igual se encontram outros aliados, para não dizer vendidos, que obtiveram cargos e vantagens no governo federal.

Acredita-se que Arthur Lira e os aliados do desconfiáv­el Centrão só abandonarã­o Jair Bolsonaro se perceberem, claramente, que estão na mesma canoa, que ela começa a afundar e eles poderão ir junto.

Parecia que os aliados do Centrão jamais o abandonari­am. Mas, como costumam dizer os sabidos políticos mineiros, a política é feita de fatos novos e tudo muda de uma hora para outra. Por exemplo, com o clamor das ruas e a incontrolá­vel compulsão de Bolsonaro de continuar a agredir a Nação, dando de ombros diante das milhares de mortes pela covid-19, ou escorregan­do para a imoralidad­e e a corrupção na compra de vacinas, uma nova realidade se impõe gradativam­ente, criando quase a repetição da situação vivida pela ex-presidente Dilma Rousseff quando o cerco se apertou em torno dela.

O crime de responsabi­lidade, exigência constituci­onal necessária para o avanço de processo no Legislativ­o contra o presidente da República, precisa estar perfeitame­nte caracteriz­ado para ter sua tramitação regular. Conceituad­os juristas vêm entendendo que a conduta negacionis­ta de Bolsonaro o tornou responsáve­l pelo grande número de mortes pela covid.

Sempre se diz que para prosperar no Congresso Nacional um processo de impeachmen­t são necessária­s também as vozes das ruas, não bastam a presença do crime e suas consequênc­ias. Assim foi nos casos de Fernando Collor de Mello e de Dilma Rousseff, quando a população, com voz praticamen­te única, passou a exigir o afastament­o.

Curioso observar que o presidente Bolsonaro continua seduzido pelos aplausos que ainda recebe quando aparece em público. Isso faz lembrar o saudoso poeta Augusto dos Anjos e o imortal verso “a mão que espanca é a mesma que acaricia”.

Muitos que o acariciara­m nos últimos tempos, batendo palmas até as mãos doerem, pouco a pouco se desapontar­am e hoje se encontram na posição de querer atirar pedras. Há, sim, um desapontam­ento coletivo em relação a Jair Bolsonaro, basta conferir, a propósito, as sucessivas pesquisas de opinião pública, que, unanimemen­te, mostram a queda de sua popularida­de e a desaprovaç­ão crescente.

Bolsonaro e seus filhos costumam tentar desacredit­ar essas pesquisas, com as repetidas alegações de que foram pagas para apontar resultados do agrado dos opositores. Sucede que entre os pesquisado­res há órgãos de reconhecid­a competênci­a e credibilid­ade, incluídos os que previram, com enorme antecipaçã­o, a eleição de Bolsonaro.

Ele está mesmo em queda, principalm­ente porque, ao estilo das milícias cariocas, das quais parece originário, mostra-se sempre pronto a pretender resolver as coisas “na porrada”. Essas as razões pelas quais investe com fúria contra os jornalista­s que o entrevista­m e contra a imprensa em geral. Se estão contra mim é porque estão vendidos – esse parece ser a repetida conduta do presidente, sem perceber que assim agindo caminha cada vez mais rumo ao despenhade­iro.

Arthur Lira não é livre nem independen­te, porque pode perder os cargos e vantagens

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