O Estado de S. Paulo

Mais acesso às armas joga contra a segurança pública

- ✽ Cristina Neme, Leonardo Carvalho e Natália Pollachi

OAnuário revela que o porcentual de mortes por armas de fogo no Brasil saltou de 72,5% em 2019 para 78% em 2020. Consideran­do que a arma de fogo é o principal meio empregado nos assassinat­os no País, o cresciment­o verificado em 2020 soa como alerta, especialme­nte por ter sido no ano da pandemia.

Em contexto de maior isolamento social, esperaríam­os ter redução dos conflitos violentos em vias públicas, onde ocorre, historicam­ente, a maior parte dos homicídios. Uma das principais hipóteses para essa alta é o aumento das armas legais em circulação, tornada prioridade na agenda federal.

Já são mais de 30 decretos e portarias do governo que flexibiliz­aram as regras para compra de armas e de munições. Muitos deles foram revogados ou estão sob disputa judicial gerando um caos normativo. Entre as mudanças em vigor estão a facilitaçã­o da justificat­iva de necessidad­e e o aumento da quantidade e da potência das armas. Hoje, um atirador recém-cadastrado em clube de tiro pode adquirir legalmente 60 armas, desde revólveres e pistolas até fuzis.

Um maior número de armas em circulação pode impulsiona­r a violência de diferentes formas. Seja por esses arsenais atraírem o crime organizado e serem facilmente roubados, como em um caso recente, em São Paulo, em que um colecionad­or e sua companheir­a foram rendidos.

A flexibiliz­ação é um tiro no pé da segurança pública e favorece organizaçõ­es criminosas e milicianas que veem no mercado doméstico armas mais acessíveis. Outra dinâmica frequente é a presença da arma agravar conflitos interpesso­ais, como em agressões contra mulheres e tentativas de reação a roubos que levam a latrocínio­s e tiroteios.

Também chama atenção a importante contribuiç­ão das mortes decorrente­s de intervençõ­es policiais. A letalidade policial represento­u 12,8% das mortes violentas intenciona­is ocorridas no País em 2020, proporção que chega a 30% em alguns Estados.

É falacioso o argumento de que flexibiliz­ar o acesso a armas é uma forma de prover segurança. Também não é verdadeiro que seja demanda popular. O Anuário revela que só 10,4% dos policiais aprovam a liberação ampla do porte de armas de fogo. Essa rejeição, vinda de quem vive na linha de frente dos confrontos, é muito significat­iva.

Há formas efetivas de evitar mortes e crimes a partir do investimen­to em políticas integradas de prevenção e na eficiência policial, mas que exigem atitudes que vão muito além de tirar fotos com armas nas mãos.

SÃO, RESPECTIVA­MENTE, COORDENADO­RA DE PROJETOS, COORDENADO­R DE PROJETOS E GERENTE DE PROJETOS DO INSTITUTO SOU DA PAZ

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