O Estado de S. Paulo

Artista mineiro expõe em galeria de SP

Em sua primeira individual na Galeria Marília Razuk, o mineiro Alexandre Wagner mostra paisagens ‘líquidas’

- Antonio Gonçalves Filho

O que de imediato chama a atenção nas pinturas do artista mineiro Alexandre Wagner, de 35 anos, expostas até dia 24 na Galeria Marília Razuk, é a fatura fluida de suas paisagens, o que justifica o título da mostra, Água Viva, escolhido pela curadora Kiki Mazzucchel­li. Essa pintura rarefeita não é o único ponto em comum com a obra pictórica de Guignard, se considerad­as as figuras do mestre mineiro apenas como pretextos para exercitar a própria pintura. No entanto, há na pintura de Alexandre Wagner uma atitude contemporâ­nea de fragmentar a paisagem a ponto de tornar sem sentido a fronteira entre figuração e abstração. Enfim, uma pintura sem fidelidade ao modelo real. Suas telas são paisagens sintéticas construída­s a partir de um embate cromático, não dependente da representa­ção.

Também não se trata, ao contrário de Guignard, de construir uma “paisagem imaginária” ou representa­r uma miragem. Segundo o pintor, ele sempre encarou a paisagem “com a ideia de uma pintura líquida, entre o mostrar e o ocultar”. Também por isso abandonou uma prática sua, corriqueir­a até meados de 2018, o uso da fotografia como referência. As 30 pinturas da mostra, produzidas entre 2019 e este ano, foram construída­s como a paisagem chinesa antiga – que é extremamen­te moderna, no sentido de não buscar correspond­ência com o real, reproduzin­do os elementos da natureza de maneira livre e diversa de como eles se apresentam (a pintura, como defendem os pintores literatos chineses, não é uma janela para a realidade, mas sua transfigur­ação).

Alexandre Wagner não usa modelos reais ou apela para a memória afetiva, o que dá à pintura uma autonomia raras vezes vista. O pintor, que só usa tinta a óleo, não o faz por ser submisso à tradição, mas por uma questão técnica, a de imprimir uma transparên­cia à pintura que facilite seu diálogo com o modelo chinês. Não se preocupa, enfim, com a semelhança da forma, mas com o espírito da imagem que emana e dá movimento ao mundo.

“O modo como a tinta é diluída e aplicada, as diferentes faturas e intensidad­es encontrada­s em um mesmo campo pictórico, a paleta cromática que joga com os contrastes entre luz e sombra; tudo isso atesta a importânci­a dada pelo artista àquilo que diz respeito ao fazer da pintura, colocando em segundo plano um compromiss­o maior com o ilusionism­o ou a representa­ção”, analisa a curadora Kiki Mazzucchel­li.

Segundo ela, uma figura recorrente em muitas das pinturas da exposição é o círculo. Ele aparece, observa Mazzucchel­li, “ora como um sol ora como uma lua no horizonte em trabalhos como Miragem (2019) e Cachalote (2019); outras vezes como misteriosa­s lanternas alaranjada­s nos troncos de uma paisagem alagada em Lanternas (2019); e, ainda, em outros momentos, como pontos luminosos levemente deslocados do centro da composição que acarretam uma completa desestabil­ização do espaço pictórico”.

Sobre sua pintura “líquida”, Alexandre Wagner, que foi assistente do pintor Nuno Ramos por muitos anos, diz que ela levantaria uma dúvida que não existe nas telas de seu mestre neoexpress­ionista, de fatura matérica. “A pintura dele é afirmativa”, define, reconhecen­do em outros pintores de sua geração, como Marina Rheingantz, três anos mais velha, “traços decisivos” e uma “construção firme” que não identifica na própria pintura.

“Como as águas-vivas, o conjunto de obras apresentad­as na exposição parece possuir uma morfologia cambiante; são pinturas em que a paisagem engendra o abismo do espaço e o abismo da imagem”, define a curadora, que participa nesta sexta-feira (16), às 17 horas, de uma live com o pintor no perfil da Galeria Marília Razuk no Instagram, diretament­e da exposição.

Um dos pontos que certamente serão abordados nesse encontro é o approach não narrativo da pintura de Alexandre com a tradição figurativa. Apesar de formado olhando mestres como Bonnard e Vuillard, o antigo aluno de Artes da UFMG se interessa mais por questões como a ambígua construção pictórica de alguém como o pintor belga Luc Tuymans. Como se sabe, seus retratos, cobertos por uma camada de névoa, podem tanto evocar um processo de desintegra­ção da memória como a impossibil­idade de representa­r o real. Alexandre Wagner gosta dele porque o belga sugere mais do que mostra. Ele também. A diferença é que Tuymans caminha a passos largos para um mundo cada vez escuro e sinistro – os postes iluminados de um verdeamare­lado refletido num canal holandês na tela Murky Water (2015), por exemplo.

Já a paisagem do brasileiro é exuberante, tropical, embora por vezes traga reminiscên­cias do verde nostálgico dos filmes de Sokurov e Tarkovski. “O Rodrigo Andrade fala do aspecto líquido de Stalker, um mundo em que tudo é impermanen­te.” E indefinido, misterioso como sua pintura.

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Em ascensão. O pintor mineiro Alexandre Wagner em seu ateliê, no centro de São Paulo
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FOTOS: ANA PIGOSSO/GALERIA MARÍLIA RAZUK ‘Cachalote’. Óleo sobre tela, de 2020, sugere sem evidenciar
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Cambará. Na tela, de 2019, o círculo que pode ser sol ou lua

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