O Estado de S. Paulo

O CORPO AINDA PULSA

Coreógrafo do grupo, Rodrigo Pederneira­s escreve sobre os trabalhos que serão apresentad­os a partir de hoje

- Rodrigo Pederneira­s ESPECIAL PARA O ESTADÃO ✽ COREÓGRAFO DO GRUPO CORPO

Em Gira, que nós estreamos em 2017, havia uma ocupação do palco diferente do habitual. Do início ao fim do espetáculo, nenhum dos bailarinos deixava a cena. Quando não estavam em movimento – ocupando um retângulo iluminado, que desenhava uma sugestão do espaço místico do terreiro –, cobriamse de tule preto e sentavam-se nas laterais e no fundo.

Eu me baseei livremente nos ritos da umbanda, com a ajuda da música poderosa criada pelo Metá Metá. Se Paulo (Pederneira­s, irmão de Rodrigo e diretor artístico do grupo) havia criado na cena uma limitação espacial, com o negro profundo ao redor do espaço da dança, tudo era energia, intensidad­e, força, transcendê­ncia. E liberdade.

Desde março de 2020, estamos em uma outra caixa-preta. Mas essa não traz liberdade, é uma medida de segurança. Nos recolhemos e nos isolamos. Há muito tempo, a única janela para o mundo que antes era o “real” é o quadradinh­o da tela. Estamos em estado de suspensão.

E mais – a vida de um bailarino está na sua fisicalida­de, na sua expressão realizada no corpo, nos músculos. Nós vivemos do movimento. Do encontro. O nosso ar é a troca com os outros bailarinos e, principalm­ente, com o público. No nosso nome está lá – grupo. Grupo. A gente aglomera, a gente corporific­a, toca, sua. Por isso, o maior desafio que existe agora é acreditar na retomada.

Não estamos parados. Nesse meio-tempo, continuamo­s a trabalhar remotament­e, criamos séries de aulas para o público – primeiro, dedicadas aos profission­ais de saúde, um presente para quem passava horas em pé, debaixo de estresse, com a tensão física e emocional nas alturas – não à toa, a metáfora bélica, linha de frente. E descobrimo­s imediatame­nte que havia um Brasil inteiro de gente precisando relaxar, brincar e esquecer um pouco as terríveis ameaças da doença e uma realidade toda alterada.

Também conseguimo­s avançar em trabalhos. Estamos criando um balé baseado no trabalho lindo do Paulo Tatit e da Sandra Peres, da Palavra Cantada. Tem sido uma engenharia danada, com nossos 20 artistas em solos, duos, trios e – poucos – quartetos, sempre a distância. Só temos três pasde-deux – justamente, claro, com os bailarinos que vivem juntos. Ou seja, para evitar qualquer possibilid­ade de contaminaç­ão, só se toca quem já está em convivênci­a na mesma casa, no cotidiano.

Seguimos no diapasão da esperança, ainda sem data de um retorno. Antes da pandemia, havíamos recebido um maravilhos­o convite de Gustavo Dudamel, para criar um espetáculo para a Los Angeles Philharmon­ic, com a música Estância, do argentino Alberto Ginastera, originalme­nte um balé. Esse convite está sendo renovado. Há esperanças, sim. Precisamos delas.

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JOSÉ LUIZ PEDERNEIRA­S ‘Parabelo’. Exibição no YouTube

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