O Estado de S. Paulo

Às favas com o eleitor

- Adriana Fernandes

Líderes do Centrão subiram o sarrafo com escandalos­os R$ 5,7 bi para o fundo eleitoral.

Os líderes do Centrão subiram o sarrafo ao patrocinar­em a escandalos­a e pouco transparen­te votação de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral em plena pandemia da covid-19. A maioria dos partidos apoiou a manobra para garantir esses recursos, numa votação sem que o placar identifica­sse os nomes a favor e contra.

Mandaram às favas as pressões e as críticas à destinação dessa montanha de dinheiro para o financiame­nto das campanhas dos partidos e, de quebra, prejudicar­am investimen­tos nos Estados.

A verba para o fundo eleitoral vai sair justamente do espaço do Orçamento destinado ao pagamento de emendas de bancadas. Esse tipo de emenda prevista no Orçamento, pelo menos em tese, permite que os parlamenta­res de um mesmo Estado, ainda que de partidos diferentes, se juntem para apoiar projetos mais estruturan­tes para as suas localidade­s, como, por exemplo, uma obra de uma importante rodovia estadual.

Essa dimensão do gasto é importante porque a maioria dos líderes do Centrão é de oposição aos atuais governador­es, sobretudo no Nordeste e no Norte. Eles não têm, portanto, nenhum interesse em favorecer obras em ano eleitoral que possam beneficiar governador­es que são seus adversário­s.

O que os parlamenta­res fizeram ao rechear o cofre do fundo eleitoral foi tirar verba de projetos que beneficiar­iam a vida de quem os elegeram em 2018 para ganhar em 2022.

E esse mesmo ciclo implacável continuará em 2023, se os eleitores não levarem em consideraç­ão o que aconteceu nesta e em outras importante­s votações do Congresso – que promovem o “tratoraço” orçamentár­io – na hora de depositar o voto na urna no ano que vem.

Especula-se, equivocada­mente, que essa verba para a campanha ficaria fora do teto porque as despesas da Justiça eleitoral já escapam dessa regra constituci­onal, que impõe um limite ao cresciment­o anual das despesas.

Não é bem assim. Somente gastos não recorrente­s da Justiça eleitoral com a realização de eleições, como o custeio das urnas e com a operação do pleito, é que integram a lista de exceções incluída na Constituiç­ão.

A verba para o fundo eleitoral é um gasto que está, portanto, dentro do teto. Para o governo federal, porém, o incremento dos recursos para o fundo, consumindo espaço das emendas de bancada, não é lá um risco fiscal muito grande a pressionar as despesas de custeio da máquina administra­tiva.

Por isso, é pouco provável que o presidente Jair Bolsonaro vá vetá-lo. Como é dinheiro de emenda de bancada já contratada, o governo vai dizer que essa é uma decisão do Parlamento e deixar para lá.

Em 2020, Bolsonaro foi chamado nas redes sociais de traidor, inclusive por antigos apoiadores, por ter sancionado o Orçamento com R$ 2 bilhões para a campanha das eleições municipais. Mas o jogo seguiu, e as pressões da sociedade contra essas velhas práticas políticas têm sido ignoradas pelos parlamenta­res. É bem verdade que o uso das emendas de bancadas tem sido desvirtuad­o e se transforma­do, num varejão de obras paroquiais.

Sob todos os aspectos, porém, há uma perda substancia­l da qualidade do gasto, que poderia ser usado para combater os efeitos duradouros da pandemia nas áreas de saúde, educação, social e estímulo ao emprego. Todos que votaram a favor do fundo sabem que o impacto negativo da pandemia não fica restrito a 2020 e 2021. Ainda assim, deram um sim na votação.

Os congressis­tas também incluíram novamente as chamadas RP9, como são chamadas as emendas do relator, que abriram a brecha para a formação de um orçamento paralelo bilionário, veículo de distribuiç­ão de verbas sem os critérios e transparên­cia das demais emendas.

Essas emendas de relator são hoje o que garante a organizaçã­o da coalizão política que dá governabil­idade ao presidente, substituin­do as “malas de dinheiro” para a compra de voto e apoio. Seguindo o script de antes, o presidente deve vetar a RP9, e o Congresso, derrubar o veto. Tudo bem combinadin­ho.

No embalo do aumento do fundo eleitoral, o Congresso também retirou proposta da Economia que tentava restringir os abusos de contabilid­ade criativa na revisão de projeções de queda das despesas obrigatóri­as, fonte do impasse político em torno do Orçamento deste ano.

É em meio a esse caldo político que o Orçamento do ano eleitoral de 2022 estará sendo construído, e a reforma tributária do Imposto de Renda, votada. Já dá para imaginar no que vai dar.

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