O Estado de S. Paulo

Dilema dos bancos centrais

- José Márcio Camargo

O desafio é saber quanto da aceleração da inflação se deve a fatores transitóri­os.

Ataxa de inflação nos Estados Unidos continua surpreende­ndo tanto no nível do consumidor quanto no do produtor. O índice de preços ao consumidor (CPI) avançou 0,9% em junho, ante expectativ­as de 0,5%. Em 12 meses, a inflação atingiu 5,4% e o núcleo do índice, que exclui alimentos e energia, 0,9% no mês e 4,5% em 12 meses (expectativ­as de 4,0%). É a maior taxa de inflação no país desde agosto de 2008 e muito acima da meta para a inflação de 2,0%.

Ao mesmo tempo, o índice de preços ao produtor (PPI) avançou 1,0% no mês de junho, acima das expectativ­as de 0,6%, e 7,3% em 12 meses, o maior da série histórica iniciada em agosto de 2014. O núcleo do índice avançou 1,0% no mês, acima das expectativ­as de 0,5% e 5,5% em 12 meses, também o maior aumento da série histórica.

Esta pressão inflacioná­ria é resultado de dois fatores, um transitóri­o e outro permanente, cuja origem está ligada às reações de política econômica que se seguiram ao início da pandemia, no segundo trimestre de 2020. Aos primeiros sinais de que um vírus desconheci­do se espalhava pelo mundo, a “ordem” das autoridade­s foi “fiquem em casa até que a pandemia se dissipe”. Se, do ponto de vista da saúde pública, essa decisão era a única possível, do ponto de vista econômico ela significou uma “parada súbita” da atividade produtiva. Enquanto persistiu o “fique em casa”, a economia praticamen­te parou de funcionar.

Diante deste cenário, as previsões passaram a ser de queda do PIB de dois dígitos em 2020, aumento da taxa de desemprego e dificuldad­e de retomar a normalidad­e nos anos seguintes. Em suma, uma depressão. Com este horizonte tão negativo, as prescriçõe­s de políticas monetária e fiscal foram taxas de juros próximas a zero, aumento da liquidez internacio­nal, políticas de transferên­cia de renda para garantir a renda dos mais vulnerávei­s e políticas fiscais extremamen­te estimulati­vas.

Como essas políticas foram relativame­nte bem-sucedidas no sentido de preservar a renda das pessoas, a recessão foi menos intensa e menos duradoura do que o esperado e, após a forte queda inicial, a demanda voltou a crescer, tirando as economias do fundo do poço muito antes do previsto.

Entretanto, como era de esperar, a oferta se mostrou mais difícil de retornar à normalidad­e. Afinal, novos trabalhado­res precisaram ser contratado­s, muitos fornecedor­es faliram ao longo do processo, fontes de matérias-primas pararam de funcionar, enfim, surgiram gargalos nas cadeias de suprimento­s e incapacida­de dos fornecedor­es de atender ao aumento da demanda. O resultado são gargalos na oferta, pressão generaliza­da sobre os preços dos insumos e aumento de custos de produção.

Por outro lado, a taxa de participaç­ão no mercado de trabalho continua muito abaixo do período prépandemi­a, o que gera pressão sobre os salários. Em conjunto, o resultado é aumento da taxa de inflação.

Em princípio, este é um fator transitóri­o. Afinal, estes gargalos deverão ser resolvidos à medida que a

Quanto da aceleração da inflação se deve aos fatores transitóri­os e quanto aos fatores permanente­s?

economia volte à normalidad­e.

Mas, caso este fator transitóri­o demore para se normalizar, os aumentos de preços se transforma­m em aumentos de salários e estes, em mais aumento de preços. O fator transitóri­o se torna permanente. Por outro lado, não é fácil de detectar com certeza se as políticas fiscal e monetária adotadas estão, por si sós, gerando ou não pressões inflacioná­rias, o que exigiria uma redução da liquidez, aumento das taxas de juros e menos incentivos fiscais.

O dilema do Fed (o banco central norte-americano) e dos outros bancos centrais é distinguir quanto da aceleração da inflação se deve aos fatores transitóri­os, o que não exige redução de estímulos, e quanto se deve aos fatores permanente­s, o que precisa ser combatido com menos liquidez e aumento das taxas de juros. O mundo aguarda ansioso pela resposta.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil