O Estado de S. Paulo

Terra arrasada

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Tal como no combate à pandemia, o obscuranti­smo de Jair Bolsonaro se comprovou irremediáv­el na área ambiental.

OBrasil, guardião do maior bioma tropical do mundo e a caminho de se tornar o principal exportador agrícola, tem uma legislação ambiental exemplar e reúne as condições para ser uma liderança no desenvolvi­mento ambientalm­ente sustentáve­l. Mas, apesar das juras protocolar­es do presidente Jair Bolsonaro na cúpula ambiental promovida em abril pelo presidente norte-americano, Joe Biden, não há sinal de que o seu governo pretende rever sua hostilidad­e à causa ambiental.

Após a saída desonrosa do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, suspeito de integrar um esquema de exportação de madeira ilegal, o novo ministro, Joaquim Leite, tem ao menos a vantagem de ser mais discreto. Mas talvez seja até demais. Ele ainda está a dever um plano de ação para reverter a escalada do desmatamen­to. A Conferênci­a do Clima da ONU (COP 26), em novembro, será decisiva para a agenda ambiental global e, logo, para os destinos do Brasil. O ministro precisará de muito mais que discrição para apresentar resultados consistent­es e compromiss­os convincent­es.

Sem Salles, a estridênci­a antiambien­tal foi assumida por próceres bolsonaris­tas, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Sem qualquer experiênci­a na área ambiental, Zambelli foi inoculada pelo governo na presidênci­a da Comissão do Meio Ambiente da Câmara para avançar pautas caras ao seu líder, como o desmonte dos órgãos de fiscalizaç­ão, a pretexto de combater uma suposta “indústria de multas”, ou propostas intempesti­vas de interesse puramente corporativ­o, como o projeto apresentad­o em 2014 pelo então deputado Jair Bolsonaro de incluir policiais militares e bombeiros no Sistema Nacional do Meio Ambiente.

O Planalto, por sua vez, retirou arbitraria­mente a atribuição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de divulgar os dados sobre queimadas. A política de “matar o mensageiro” não é nova. Em 2019, o presidente exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão. Sem apresentar evidências, Bolsonaro acusou Galvão de agir “a serviço de uma ONG” para “espancar” os dados e prejudicar “o nome do Brasil e do governo”.

O Inpe é um órgão estritamen­te técnico ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e bem reputado internacio­nalmente há décadas. Os dados passarão a ser divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorolog­ia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultur­a. “O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses”, disse Galvão. “Essa mudança, claramente, é para controlar a informação.”

Trata-se de uma verdadeira “pedalada ambiental”, que fere o princípio da transparên­cia da administra­ção pública.

Ante a política de terra arrasada (literalmen­te) do governo, aumenta a responsabi­lidade dos governos subnaciona­is. Como mostrou reportagem do Estado, o grupo Governador­es pelo Clima, que conta com todos os governador­es, exceto os de Roraima e Rondônia, ambos bolsonaris­tas, se encontrou com diplomatas europeus para discutir investimen­tos em energia renovável. Os Estados da Região Amazônica estão apresentan­do propostas para receberem recursos de fundos de investimen­to, como o Fundo Leaf, lançado por EUA, Reino Unido e Noruega com a participaç­ão de empresas privadas para remunerar iniciativa­s de preservaçã­o nos países tropicais.

Uma pauta crucial para os Estados onde a agropecuár­ia tem força é divulgar iniciativa­s sustentáve­is do agronegóci­o e medidas de repressão ao desmatamen­to ilegal. O movimento também chegou aos municípios. Mais de 100 deles relataram ao Instituto Clima e Sociedade (ICS) ter planos de ações climáticas.

São sinais de que se dissemina na gestão pública a consciênci­a de que a pauta ambiental não é apenas um imperativo moral, mas econômico. Em contraste, tal como no combate à pandemia, o obscuranti­smo de Jair Bolsonaro se comprovou irremediáv­el na área ambiental. Os demais Poderes da República, os governos subnaciona­is e a sociedade civil não podem poupar esforços para erguer um cordão sanitário capaz ao menos de salvaguard­ar as conquistas ambientais brasileira­s até a chegada de dias melhores.

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