CPI investiga ação de coronel por venda de vacina.
Documentos mostram que equipe de Elcio Franco na Saúde mudou contrato para permitir que a Precisa fizesse negócios com clínicas
A CPI da Covid investiga a possível atuação do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, o coronel da reserva do Exército Elcio Franco, para permitir que a empresa Precisa Medicamentos vendesse a vacina indiana Covaxin a clínicas privadas. Documentos obtidos pela comissão mostram que a equipe do antigo número 2 do ministério aceitou no mesmo dia uma alteração contratual solicitada pela Precisa, de modo a permitir a venda no mercado privado. Atualmente, Franco é assessor especial da Casa Civil e despacha dentro do Palácio do Planalto.
Para senadores da CPI, a venda para clínicas privadas poderia ser a verdadeira motivação da Precisa – enquanto a venda para o governo brasileiro seria feita a US$ 15 a dose, no mercado privado a mesma unidade da Covaxin poderia alcançar um preço de até US$ 40, ou R$ 205 pelo câmbio de anteontem. A suspeita é de que a negociação tenha sido feita de modo a permitir que doses importadas para a Saúde fossem, depois, vendidas no mercado privado.
A alteração no contrato foi feita no dia 19 de fevereiro, no termo de referência que serviu de base para a elaboração do contrato entre a Precisa e o Ministério da Saúde. A troca de emails entre servidores do Ministério da Saúde destaca que as mudanças deveriam ser feitas “impreterivelmente ainda nesta data”, dia 19. Uma das mudanças pedidas foi no item 6.1.1.1 do termo, para determinar que o Ministério da Saúde pudesse “autorizar em caráter excepcional a comercialização feita pela contratada de doses da vacina contra a covid-19”, mediante notificação “com antecedência mínima de 20 dias”.
Segundo um senador da CPI ouvido pelo Estadão, as alterações permitiriam que a Saúde abrisse mão de parte das 20 milhões de doses da Covaxin a serem importadas pela pasta. Após a mudança, o direito do governo brasileiro sobre as doses deixaria de ser de “exclusividade” e passaria a ser de “preferência”. Assim, de acordo com ele, a Precisa poderia importar o produto com a anuência do Ministério da Saúde e, depois, redirecionar a venda para o mercado privado, após desistência do poder público. É esta a hipótese que se tornou alvo da CPI, já que produtores de vacina dificilmente vendem para compradores privados. A Precisa, no entanto, teria mais facilidade para conseguir as doses com a Bharat com a sinalização de interesse do Ministério da Saúde.
O e-mail com data de 19 de fevereiro foi enviado por Alexandro Ogliari, assessor do gabinete de Elcio Franco, a um servidor do Ministério da Saúde chamado Thiago Fernandes da Costa – que é réu em uma ação de improbidade administrativa junto com o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-pr). “Thiago, em reunião com a participação de todos os que seguem copiados neste e-mail, nesta tarde no Gabinete da Secretaria Executiva, consolidamos as alterações necessárias ao TR (termo de referência) para dar prosseguimento e contratação no âmbito do DLOG (Departamento de Logística)”, diz a mensagem.
Na mesma mensagem, Ogliari pede a retirada de um item do termo de referência que determinava que o contrato só começasse a ser executado depois da apresentação de estudo clínico comprovando que a vacina era eficaz contra a “nova variante” do coronavírus que começava a circular no Brasil – o e-mail não especifica a cepa, mas naquele momento começava a se disseminar no País a variante P.1.
No fim da mensagem, o então assessor de Elcio Franco diz ainda que as mudanças precisam ser aplicadas também ao termo de referência relativo ao contrato com a União Química – empresa que produz, no Brasil, a vacina de origem russa Sputinik V. A mensagem é assinada com “GAB/SE”, ou seja, Gabinete da Secretaria Executiva.
Depois de feitas as alterações, o termo de referência do contrato entre a Saúde e a Precisa passa a dizer que o ministério “terá o direito de exclusividade/preferência” na compra das vacinas importadas pela empresa. Anteontem, a diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, foi questionada sobre o assunto na CPI. Ela, no entanto, disse que as discussões para a venda privada de vacinas não passaram pela sua área.
SUS. O dono da Precisa, Francisco Maximiano, tentou intermediar um acordo entre a Bharat Biotech, laboratório que produz a vacina indiana Covaxin, e clínicas particulares do Brasil para que os imunizantes fossem comercializados na iniciativa privada. Como mostrou o Estadão, a expectativa era a de que a venda rendesse pelo menos R$ 800 milhões para a Precisa. A ideia era que a legislação fosse alterada para permitir a venda de vacinas e que a Anvisa desse aval à utilização. Nenhuma das duas condições foi atendida. Um projeto de lei liberando a compra privada de vacinas chegou a ser aprovado pela Câmara em abril, mas atualmente está parado no Senado.
Até o momento não há previsão de vacinação contra a covid-19 pelo mercado privado. Todos os imunizantes contra a doença são distribuídos gratuitamente pelo Serviço Único de Saúde (SUS). O laboratório indiano Bharat Biotech, no Brasil representado pela Precisa, é o único que negocia a venda de imunizantes com clínicas particulares no País. Astrazeneca e Pfizer, por exemplo, dizem negociar apenas com governos. O contrato entre a Precisa e a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas previa cinco faixas de preços, que variavam de acordo com a quantidade adquirida. O contrato não estabelece o valor pelo qual as clínicas venderiam cada dose a seus clientes.
A reportagem procurou o Ministério da Saúde, a Precisa Medicamentos e Elcio Franco, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.