O Estado de S. Paulo

Regime tenta driblar crise no turismo e embargo.

Economia da ilha já castigada pelas restrições americanas teve seu principal setor afetado pelo impacto da pandemia de coronavíru­s

- Fernanda Simas

A queda de quase 90% no número de turistas em Cuba nos primeiros cinco meses de 2021, em comparação ao mesmo período do ano passado, evidenciou a crise econômica vivida na ilha. O aumento do preço dos produtos, com uma inflação em alta de cerca de 500%, e a dificuldad­e em obter alimentos são provas de que Havana ainda tem uma economia muito dependente de importaçõe­s e dificultad­a pelo embargo americano, que dura quase 60 anos. A insatisfaç­ão popular com a crise levou aos protestos domingo em diferentes cidades da ilha.

Com medidas excepciona­is e programas como o Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutriciona­l, conhecido como Plano PAN e em início de implementa­ção, o governo tenta criar políticas públicas que reduzam a dependênci­a das importaçõe­s e melhorem a produção nacional para ter a economia menos impactada pelo embargo e, atualmente, pela pandemia da covid-19.

“É uma estratégia limitada porque continua tendo o problema estrutural. Tem o embargo que prejudica muito no desenvolvi­mento de produção, pela falta de maquinário e peças, por exemplo, mas tem também a burocracia que ainda é grande”, explica o coordenado­r de Relações Internacio­nais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-sp), Moisés Marques.

Cuba realizou mudanças econômicas ao longo dos anos, mas ainda não conseguiu uma estrutura que permitisse a independên­cia da ajuda de outros países. Até os anos 90, o país tinha como principal fonte de renda a exportação de açúcar, tabaco e rum. A União Soviética comprava a maior parte dessa produção e isso permitia ao país caribenho ter até um orçamento predetermi­nado.

“Com a queda da URSS, Cuba passa a tentar outras alternativ­as. A ilha tem até minérios interessan­tes, como níquel, cobalto, mas sem uma boa indústria extrativis­ta. Nesse caso, o embargo econômico cria problemas sérios porque eles não conseguem importar maquinário”, explica Marques.

O maior impacto do embargo americano e das restrições impostas pelos EUA é ao sistema financeiro da ilha. “Isso ocorre porque as instituiçõ­es financeira­s e as empresas com operações ligadas aos EUA são cuidadosas para não chamar a atenção do Departamen­to do Tesouro e do Departamen­to de Estado”, diz o presidente do Conselho Econômico e Comercial EUA-CUBA, John Kavulich.

Esperança do turismo. Após os anos 90, com a dívida externa alta e os problemas econômicos internos, Cuba fez acordos com empresas internacio­nais, principalm­ente europeias, para desenvolve­r o turismo. Redes hoteleiras passam a explorar pontos turísticos e uma porcentage­m do dinheiro ficava com o Estado, que também fornecia a mão de obra.

Marques explica que nesse momento criou-se a indústria do turismo em Cuba e, a partir de então, essa se torna a principal entrada de dinheiro no país. “Junto vem a criação de uma moeda paralela, o CUCL, que criou também uma economia paralela. Se você fosse turista, ou tivesse acesso ao CUC, tinha chances de acesso a mais coisas, por exemplo. E começam a ser permitidos os primeiros pequenos negócios na ilha, como os paladares (restaurant­es em casa) e as pessoas ficavam com parte da renda.”

Mas foi justamente o turismo o mais foi afetado com a chegada da pandemia de covid-19 em Cuba. Com o fechamento das fronteiras, o setor que era responsáve­l por levar cerca de US$ 3 bilhões por ano à ilha passou a levar apenas US$ 1 bilhão. “A pandemia de covid-19 foi devastador­a para a economia cubana”, afirma Kavulich.

Outra forma de o governo cubano conseguir arrecadar é com a exportação de mão de obra qualificad­a. Com um sistema que fornece educação de qualidade a todos os cidadãos, a maioria dos cubanos tem diploma universitá­rio e fala mais de um idioma. Com isso, seus médicos e professore­s eram muito requisitad­os para atuar em outros países.

Na Venezuela, por exemplo, um dos grandes parceiros de Cuba, as missões alfabetiza­doras usavam professore­s cubanos acostumado­s com as técnicas de alfabetiza­ção. No Brasil, o programa Mais Médicos chegou a trazer muitos cubanos para atuar no País.

Mas a mudança de governos em países como Brasil, Bolívia e Equador, além da crise econômica e política que a Venezuela atravessa, diminuíram a demanda por esses profission­ais.

“A discussão do fato de o governo cubano ficar com parte do que esses profission­ais recebiam e as mudanças ideológica­s nos comandos dos países fez isso diminuir. Agora, você tem em Cuba uma população jovem altamente qualificad­a e sem perspectiv­as de futuro, isso é muito complicado”, explica Marques.

O cubano Rafael Antonio Moreno é engenheiro eletrônico e conta ao Estadão que quer ver mudanças nas lideranças do país. “Há um descontent­amento geral, as pessoas estão morrendo e passando dificuldad­es muito sérias. E o principal problema é que não há futuro aqui. Os dias passam, os meses, e tudo piora.”

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YAMIL LAGE / AFP–14/7/2021 Estratégia limitada. Vida cotidiana em Havana após protestos; apesar das últimas mudanças econômicas, ilha ainda depende da ajuda estrangeir­a

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