O Estado de S. Paulo

O dia em que cubanos perderam o medo

- Javier Corrales, THE NEW YORK TIMES ✽ É DIRETOR DO DEPARTAMEN­TO DE CIÊNCIAS POLÍTICAS NO AMHERST COLLEGE

Inesperada­mente, os cubanos tomaram as ruas no domingo. Eram dezenas de milhares pedindo liberdade e comida. É difícil imaginar um diagnóstic­o mais sucinto do problema desta que é a mais antiga ditadura da América Latina. Há mais de seis décadas o regime cubano nega à sua população todos os elementos básicos fundamenta­is para o espírito e o corpo humano. Naturalmen­te, o embargo imposto pelos EUA não ajuda.

Apesar de as queixas já serem antigas, observamos algo novo nas manifestaç­ões de domingo: o seu alcance. Os protestos irromperam em massa, espontanea­mente, por todo o país. No passado, os protestos se limitavam a pequenos grupos, especialme­nte na capital, Havana. Mas no domingo o “medo de participar” coletivo desaparece­u. A solidaried­ade venceu a atitude mental do “vire-se por sua conta e risco”.

A manifestaç­ão mais próxima dos protestos de domingo em Cuba foi o “maleconazo”, em 1994, quando centenas de cubanos se reuniram na famosa esplanada à beiramar em Havana, Malecón, para protestar contra a depressão econômica.

Os motivos que desencadea­ram os dois protestos são similares. Hoje, como em 1994, Cuba sofre por causa das turbulênci­as vividas por seu principal suporte financeiro e fornecedor de petróleo: a antiga União Soviética em 1994, e desde 2016 a Venezuela. Hoje, como em 1994, o país passa por uma contração econômica que já dura cinco anos.

No início de 2021, o regime cubano introduziu algumas reformas, como o fez um ano antes do “maleconazo”, e, novamente, foram muito tímidas e só beneficiar­am os cubanos bem relacionad­os. Agora os cidadãos sabem que as medidas significam que algumas pessoas privilegia­das vão enriquecer ao passo que o restante da população não vai ganhar nada. Hoje, os celulares e o Wi-fi estão disponívei­s e os cubanos puderam compartilh­ar em tempo real as manifestaç­ões que irromperam pelo país. Outra diferença é a pandemia. Em Cuba, ela desmascaro­u a decadência do sistema público de saúde. Cerca de 26,4% da população foi vacinada.

É muito cedo para dizer o que acontecerá em Cuba. Mas os manifestan­tes se expressara­m de forma clara. Com mais liberdades eles conseguirã­o criar uma nação mais forte; com mais comida conseguirã­o sobreviver e ter uma vida mais saudável. Patria y Vida, é o que eles querem.

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