O Estado de S. Paulo

Taxar o carbono é defensável, mas traz riscos

Proposta da UE pela criação de imposto para combater as mudanças climáticas pode desencadea­r guerra comercial

- / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­O

Os problemas com as tarifas de carbono, portanto, não são morais ou econômicos, mas práticos e políticos

Precificar o carbono é a maneira mais econômica de combater as mudanças climáticas. Mas, para que funcione adequadame­nte, as emissões devem ser precificad­as em todos os lugares. Em 14 de julho, a Comissão Europeia revelou seu plano para cobrar o que seria, de fato, uma tarifa sobre algumas importaçõe­s intensivas em carbono que, por terem sido produzidas fora da União Europeia, não estão sujeitas ao seu esquema de precificaç­ão.

A ideia é impedir que as empresas europeias reajam ao preço do carbono transferin­do a produção para partes do mundo onde possam poluir sem penalidade­s, mas também protegê-las de serem prejudicad­as por concorrent­es de tais lugares e encorajar as empresas estrangeir­as que querem vender para a Europa a ficarem mais verdes.

Existem boas razões para aplicar os preços do carbono às importaçõe­s. Mas será um problema descobrir como fazer isso sem causar um prejudicia­l ciclo de protecioni­smo.

Se os preços do carbono fossem globais, os custos de cumprir o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas poderiam cair 79%, de acordo com o think-tank Environmen­tal Defence Fund. As forças de mercado encontrari­am as maneiras mais baratas de reduzir as emissões.

No entanto, o mercado mundial de carbono é um sonho impossível. (A China lançou ontem o maior sistema de comércio de emissões do mundo, mas as licenças serão muito baratas.) As tarifas de carbono são uma medida alternativ­a.

Defensores do livre-comércio, como a The Economist, geralmente rejeitam as tarifas por princípio. As importaçõe­s baratas trazem preços mais baixos, mais escolha, maior produtivid­ade e incentivos para inovação. Empresas e trabalhado­res sempre imploram por proteção contra concorrent­es estrangeir­os, alegando que empregos e lucros devem ser protegidos da concorrênc­ia desleal do exterior. Os liberais respondem que os danos causados pela livre operação dos mercados – o que os economista­s chamam de “externalid­ades pecuniária­s” – não justificam a intervençã­o governamen­tal, ao contrário de outros tipos de danos. “A sociedade não admite aos competidor­es frustrados nenhum direito, legal ou moral, de imunidade contra esse tipo de sofrimento”, escreveu John Stuart Mill em 1859, 16 anos após a fundação da The Economist, para se opor às Leis dos Cereais, que proibiam a entrada de alimentos baratos na Grã-bretanha, para o benefício de seus proprietár­ios de terras.

As tarifas sobre o carbono, no entanto, não seriam inerenteme­nte protecioni­stas. Elas são uma tentativa de expandir o alcance das forças de mercado, em vez de limitá-las. A oportunida­de de poluir a atmosfera sem penalidade­s é, em si, uma espécie de subsídio distorcido; ainda mais se ocorrer de forma desigual através das fronteiras. A prevenção das mudanças climáticas é um bem público global, o que significa que os cidadãos de todos os países têm interesse direto na redução das emissões, onde quer que ocorram. A taxação do carbono na fronteira deve, portanto, ser vista como um caso especial, e não como um precedente para o uso de tarifas como um porrete para impor regulament­os locais ou padrões no exterior.

Os problemas com as tarifas de carbono, portanto, não são morais ou econômicos, mas práticos e políticos. Implementa­r a política de maneira justa significar­ia determinar quanto carbono foi emitido na produção de determinad­a importação e em que medida os governos estrangeir­os já tributaram essas emissões. Em 2018, a Comissão Europeia disse que isso seria “claramente incontrolá­vel”. Nada mudou muito desde então.

O novo plano da União Europeia se aplica apenas a setores selecionad­os, que atualmente são protegidos por meio de subsídios. Os produtos envolvidos, como cimento e fertilizan­tes, são comuns. Mesmo assim, o plano se pauta em regras arbitrária­s. Nos países onde a intensidad­e de carbono dos processos do produtor estrangeir­o não puder ser estimada, a produção será considerad­a tão suja quanto os piores 10% das empresas europeias.

Os produtores da Europa estão esfregando as mãos com a perspectiv­a de ver os estrangeir­os se afogando na papelada. Alguns membros do Parlamento Europeu estão tentando alterar o plano para favorecer as empresas locais. John Kerry, emissário americano para o clima, disse que os Estados Unidos também estão analisando impostos de fronteira sobre o carbono. Isso é indefensáv­el, a menos que os Estados Unidos implemente­m um preço de carbono adequado em solo nacional.

O FMI tem uma ideia alternativ­a às tarifas: um imposto mínimo sobre o carbono negociado globalment­e que varie de acordo com o PIB. Mas não está claro se isso seria exequível. William Nordhaus, economista ambiental vencedor do Prêmio Nobel, acha que os países interessad­os deveriam formar um clube do clima dentro do qual o carbono seria precificad­o e, então, simplesmen­te cobrar tarifas punitivas fixas dos países que se recusarem a aderir.

É quase possível imaginar um caminho bem-sucedido para um preço global do carbono que envolva tarifas. Mas qualquer plano desse tipo está repleto de riscos de protecioni­smo. Os governos devem agir com cuidado – e, ao mesmo tempo, reconhecer que não fixar um preço adequado para o carbono pode ser o maior perigo de todos.

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OLIVIA ZHANG/AP-28/11/2019 Carbono. China lançou ontem o maior mercado de emissões do mundo em busca de neutralida­de até 2060

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