O Estado de S. Paulo

As ofensas de Bolsonaro a quem investiga

Mesmo no hospital, Bolsonaro critica a CPI da Covid.

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Mesmo em internação hospitalar, Jair Bolsonaro criticou a CPI da Covid. Tinha cancelado a sua live semanal, mas não se absteve de ofender os três principais integrante­s da comissão. “No circo da CPI, Renan, Omar e Saltitante (referência ao senador Randolfe Rodrigues) estão mais para três otários que três patetas”, escreveu na quinta-feira passada o presidente em sua conta no Twitter.

A agressivid­ade do presidente Bolsonaro, descumprin­do sua promessa da semana passada de que daria uma trégua nos ataques contra os outros Poderes, mostra que a CPI da Covid, em seus três primeiros meses de funcioname­nto, vem cumprindo seus objetivos. O trabalho investigat­ivo dos senadores foi capaz de revelar aspectos constrange­dores da atuação do governo federal na pandemia.

Há ainda muito a investigar, mas alguns fatos já são de conhecimen­to público. O atraso na vacinação contra a covid não se deu apenas por uma questão ideológica. Enquanto postergou e dificultou as tratativas diretas com os fabricante­s de vacinas, o governo de Jair Bolsonaro deu preferênci­a à negociação de vacinas por meio de empresas intermediá­rias.

“Esse governo não quis comprar vacina a 10 dólares da Pfizer, mas quis comprar a Covaxin a 15 dólares”, disse o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Aparenteme­nte inexplicáv­el, essa diferença de tratamento por parte do governo federal torna-se a cada dia mais compreensí­vel para a população. São crescentes os indícios de que negociaçõe­s com empresas intermediá­rias envolveram pedido de propina – ou “comissiona­mento”, como afirmou Cristiano Carvalho, representa­nte da Davati Medical Supply no Brasil, em seu depoimento aos senadores no dia 15 de julho.

De fato, a atuação do governo federal na pandemia é muito peculiar. No mesmo período em que, sem provas, Jair Bolsonaro acusava governador­es estaduais de desviarem verbas da saúde, sabe-se agora, em função da CPI da Covid, que o presidente da República foi informado a respeito de mau uso de recursos públicos no próprio Ministério da Saúde.

Confirmand­o ter recebido informaçõe­s do deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre a compra da vacina Covaxin, Jair Bolsonaro disse que encaminhou o caso ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A pedido da Procurador­ia-Geral da República (PGR), a Polícia Federal abriu inquérito no dia 12 de julho para investigar se Jair Bolsonaro praticou crime de prevaricaç­ão nesse episódio.

O mais estranho é que, mesmo com todos os indícios de malfeitos revelados pela CPI da Covid, Jair Bolsonaro não tenha, em nenhum momento, defendido a apuração dos fatos.

De forma descarada e cada vez com mais violência, o presidente ataca quem expõe fatos relativos ao Ministério da Saúde.

Tem-se assim o completo abandono de todo e qualquer discurso de combate à corrupção. Até internado num hospital, Jair Bolsonaro volta-se contra quem tenta expor negociatas e sobrepreço na compra de vacinas. No último mês, a CPI da Covid trouxe elementos para intuir a existência de quadrilhas operando na pasta de Eduardo Pazuello.

A agressivid­ade de Jair Bolsonaro depois de cada escândalo exposto pela CPI da Covid é ainda mais embaraçosa tendo em vista o inquérito da Polícia Federal para investigar o presidente da República por crime de prevaricaç­ão. Com as ofensas que profere, Jair Bolsonaro reforça os indícios contra si mesmo. Se, de forma pública e reiterada, Jair Bolsonaro coloca-se frontalmen­te contrário a toda investigaç­ão de eventuais malfeitos em seu governo, é no mínimo estranho pensar que a portas fechadas, longe dos olhos do público, Jair Bolsonaro teria apoiado e determinad­o as diligência­s investigat­ivas a que ele tanto se opõe em público.

Por força do recesso parlamenta­r, a CPI da Covid voltará aos seus trabalhos no dia 3 de agosto. Há muito a ser apurado. Jair Bolsonaro sempre esteve próximo das questões relativas às vacinas anticovid, determinan­do publicamen­te o que podia e o que não podia comprar. Suas recentes ofensas confirmam quanto o tema o afeta direta e pessoalmen­te.

CPI da Covid revelou constrange­dores aspectos da atuação do governo na pandemia

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