O Estado de S. Paulo

Contra impeachmen­t, Lira articula semipresid­encialismo

Proposta do presidente da Câmara prevê introdução de primeiro-ministro e aumento de poder do Congresso

- Vera Rosa Lauriberto Pompeu

Sob a justificat­iva de que o presidenci­alismo virou fonte de crises e para esvaziar a pressão pelo impeachmen­t de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tas-AL), articula com aliados a mudança no sistema de governo do País para o semipresid­encialismo. Por meio de uma Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC), a ideia é introduzir a figura do primeiro-ministro e aumentar o poder do Congresso, informam Vera Rosa e Lauriberto Pompeu. O presidente da Câmara, ministros do STF e os ex-presidente­s José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer defendem o ano de 2026 como ponto de partida do novo regime. O semipresid­encialismo prevê um modelo em que o presidente delega a chefia de governo ao primeiro-ministro. É ele quem nomeia e comanda a equipe, o “Conselho de Ministros”. Para o PT, a proposta é “golpe” e “parlamenta­rismo envergonha­do”.

Disposto a esvaziar a pressão para autorizar o impeachmen­t de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tas-AL), articula com aliados a mudança no sistema de governo por meio de uma proposta de emenda à Constituiç­ão (PEC). A um ano e três meses das eleições de 2022 e sob a justificat­iva de que o presidenci­alismo virou uma fonte inesgotáve­l de crises, a ideia apoiada por Lira e nomes de peso do mundo político e jurídico prevê a adoção do regime semipresid­encialista no Brasil.

O modelo introduz no cenário político a figura do primeiro-ministro e aumenta o poder do Congresso. Embora a proposta determine que o novo sistema tenha início apenas no primeiro dia do “mandato presidenci­al subsequent­e” à promulgaçã­o da emenda, sem fixar datas, o presidente da Câmara, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente­s, como Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney, defendem o ano de 2026 como ponto de partida.

Lira apresentou a minuta na terça-feira passada, em reunião do colégio de líderes, e obteve apoio da maioria para levá-la adiante, apesar das críticas da oposição, principalm­ente do PT, que chama a proposta de “golpe” e “parlamenta­rismo envergonha­do”. A PEC é de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), ex-secretário da Casa Civil de São Paulo, e, para que comece a tramitar na Câmara, precisa de 171 assinatura­s.

O Estadão apurou que a proposta, protocolad­a em agosto do ano passado, estava na prateleira e foi resgatada após Bolsonaro fazer uma série de ameaças, dizendo que o Brasil não terá eleições em 2022 se não houver voto impresso. Nos últimos tempos, afirmações do presidente na contramão da democracia serviram para acender a luz amarela no Congresso e no Supremo. O temor de ruptura institucio­nal cresceu depois que o ministro da Defesa, Walter Braga Neto, e comandante­s das Forças Armadas divulgaram nota atacando o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Diante de 126 pedidos de impeachmen­t de Bolsonaro, Lira afirmou que é preciso trabalhar mais para “pôr água na fervura” do que para “botar querosene” na crise. Cabe ao presidente da Câmara dar andamento ao processo, mas Lira disse não ver ambiente político para isso e reagiu às cobranças. “Não posso fazer esse impeachmen­t sozinho”, afirmou o deputado, que comanda o bloco de partidos aliados conhecido como Centrão.

Barreira. A proposta de semipresid­encialismo que reaparece agora como uma barreira para enfrentar arroubos – por enquanto retóricos – de Bolsonaro prevê um modelo híbrido. Ao mesmo tempo em que mantém o presidente da República, eleito pelo voto direto, delega a chefia de governo para o primeiromi­nistro. É ele quem nomeia e comanda toda a equipe, o chamado “Conselho de Ministros”, incluindo até mesmo o presidente do Banco Central.

Inspirado em sistemas adotados em Portugal e na França, o regime sugerido para o Brasil em nome da estabilida­de joga luz sobre um “contrato de coalizão”, com força de lei, para ser assinado por partidos que dão sustentaçã­o ao presidente. Ali devem constar as diretrizes e o programa de governo.

Na prática, é o primeiro-ministro que toca a administra­ção do País e conduz o “varejo político”. Nomeado pelo presidente, de preferênci­a entre os integrante­s do Congresso, ele tem a obrigação

“Qual o problema aqui? O presidente já se elege com o impeachmen­t do lado. Ninguém aguenta isso.”

Arthur Lira (PP-AL) PRESIDENTE DA CÂMARA

“O equilíbrio para se manter no poder custa o que a gente não sabe.”

Samuel Moreira (PSDB-SP) DEPUTADO E AUTOR DA PEC

de comparecer todo mês à Câmara para prestar contas.

A destituiçã­o do chefe de governo pode ocorrer pela aprovação de moção de censura apresentad­a pelo presidente ou por dois quintos de integrante­s de cada Casa do Congresso. O gabinete não cai, porém, enquanto não houver outro primeiro-ministro, já que não existe vice-presidente.

“Hoje temos um presidenci­alismo de coalizão, mas o equilíbrio para o governo se manter no poder custa o que a gente não sabe. A fatura é alta e o Congresso não tem compromiss­o político. No semipresid­encialismo, a governança muda e as composiçõe­s são reveladas”, argumentou Moreira, o autor da PEC.

Desde a redemocrat­ização, dois presidente­s – Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff – foram afastados e todos os outros conviveram com a espada da interrupçã­o do mandato sobre a cabeça. O Brasil já fez dois plebiscito­s sobre sistema de governo: um em 1963 e outro em 1993. Em ambas as consultas, uma minoria demonstrou apoio à criação do cargo de primeiro-ministro e o parlamenta­rismo foi derrotado.

“Qual o problema aqui? O presidente da República já se elege com o impeachmen­t do lado”, disse Lira. “Ninguém aguenta isso. Um processo de impeachmen­t deflagrado a um ano da eleição é o caos. O semipresid­encialismo é a forma de estabiliza­r a política dentro do Congresso.”

Para ser aprovada, a proposta precisa ter 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em duas votações. “Semipresid­encialismo é parlamenta­rismo disfarçado. Torna presidente eleito sem poder. É criar crise, colocar no comando do País quem não tem legitimida­de do voto para tanto. Golpe na soberania popular. Regime e sistema de governo já foram decididos por plebiscito duas vezes no Brasil”, criticou a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), em mensagem postada no Twitter.

Na avaliação da cúpula petista, a proposta só ressurgiu para prejudicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e é o principal adversário de Bolsonaro para 2022. A PEC estipula mandato de quatro anos, com direito a apenas uma reeleição. “Eu acho que nós deveríamos implantar essa inovação para 2026, para que não haja mais nenhum interesse posto em mesa”, ponderou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.

Além da polêmica sobre o ano de instituiçã­o do novo sistema, caso haja apoio para a tramitação da PEC, a emenda embute uma novidade. No período de transição do atual regime para o semipresid­encialismo está prevista a criação do cargo de ministro coordenado­r, a quem caberá a articulaçã­o político-administra­tiva do governo.

“Isso é para colocar desde já o Centrão dentro do Planalto”, observou o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que é parlamenta­rista. “Vejo essa proposta como um bode na sala, para distrair a população que enfrenta pandemia, inflação e desemprego. Adotar uma mudança tão profunda para resolver uma emergência pode ser uma emenda pior do que o mau soneto.”

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DIDA SAMPAIO / ESTADÃO - 31/3/2021 Legislativ­o. Arthur Lira defende ‘pôr água na fervura’ da crise; até agora, há 126 pedidos de impeachmen­t de Bolsonaro

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