O Estado de S. Paulo

Gasto com partidos

Juntas, legendas brasileira­s recebem, em média, US$ 446 milhões por ano (R$ 2,2 bi); fundo eleitoral previsto para 2022 é de R$ 5,7 bi

- Weslley Galzo Camila Turtelli

Estudo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) com dados de 35 nações aponta que o Brasil é o país que mais envia dinheiro público para partidos e campanhas políticas.

A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO) pelo Congresso, na quinta-feira passada, jogou luz sobre o modo como é feita a distribuiç­ão de dinheiro público aos partidos no País. Apesar da repercussã­o negativa, por ter sido discutida em meio à crise sanitária, o volume dos recursos que os parlamenta­res destinam às próprias siglas é, há tempos, sem precedente­s quando comparado com a realidade de outras democracia­s.

Um estudo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que reuniu dados de 35 nações entre 2012 e 2020, aponta que o Brasil é o país que mais envia dinheiro público para partidos e campanhas políticas. Juntas, as siglas brasileira­s recebem, em média, US$ 446 milhões por ano (R$ 2,2 bilhões) dos fundos eleitoral e partidário. No ano que vem, quando serão realizadas as eleições estadual e federal, o montante será de R$ 5,7 bilhões, graças à LDO.

A cifra, sem descontar a inflação, representa um aumento de 185% em relação ao valor que os partidos obtiveram em 2020 para as disputas municipais, o equivalent­e a R$ 2 bilhões. É, também, mais que o triplo do que foi destinado às eleições de 2018, quando foi distribuíd­o o montante de R$ 1,8 bilhão.

No ranking dos países que mais gastam com o sistema partidário, o México vem em segundo lugar, com US$ 307 milhões (R$ 1,5 bilhão) – aproximada­mente quatro vezes menos do que o Brasil gastará no ano que vem somente com o fundo eleitoral. Ao excluir o primeiro colocado, a média da amostra cai para US$ 65,4 milhões (R$ 323 milhões), o equivalent­e a 14% do que o Estado brasileiro investe na manutenção e organizaçã­o eleitoral dos partidos.

“Estamos usando recursos públicos em demasia em comparação com o resto do mundo para o dia a dia da política, em vez de estar investindo diretament­e em bens públicos. A quantidade de recurso é finita. Quando você usa muito para determinad­o fim, acaba faltando para outras coisas”, disse o autor da pesquisa, Luciano Irineu de Castro, do Impa.

Até o mês passado, os partidos com representa­ção no Congresso receberam R$ 489 milhões do Fundo Partidário. Donos das maiores fatias do bolo, o PSL e o PT, as duas siglas com maior representa­ção na Câmara dos Deputados, ganharam, respectiva­mente, R$ 57 milhões e R$ 48,7 milhões no primeiro semestre de 2021. Em 2022, as legendas devem ter R$ 600 milhões cada para construir suas campanhas com recursos do fundo eleitoral – mais que o dobro do recebido em 2020.

O PSL estuda lançar o apresentad­or e jornalista José Luiz Datena como candidato à Presidênci­a, enquanto os petistas apostam na provável candidatur­a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, é “razoável” o nível dos recursos repassados aos partidos quando considerad­a a quantidade de filiados políticos com potencial de candidatur­a. Em abril, cerca de 16,2 milhões de pessoas estavam com filiação ativa em alguma legenda. Na eleição municipal de 2020, no entanto, apenas 556 mil pessoas concorrera­m aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador.

‘Divisão’. “O financiame­nto público devolveu ao povo brasileiro os deputados e senadores. Somos suspeitos de falar a respeito, por sermos um grande partido, mas, na verdade, o que se deve discutir é a oportunida­de para que todos os candidatos tenham chance de dizer quem são e quais seus projetos”, disse Bivar. “E, se considerar­mos a divisão do fundo por centenas, milhares de candidatos, o resultado é razoável. Caso contrário, só haverá dois partidos: o do presidente e o dos governador­es. Os demais não sobreviver­ão com dinheiro de doações individuai­s.”

Cidadania, PSOL, Podemos e PSL foram os únicos a apoiar a mobilizaçã­o feita pelo Novo para rejeitar o fundo de R$ 5,7 bilhões incluído na votação da Lei de Diretrizes Orçamentár­ia no Congresso, na quinta-feira. O partido de Bivar, porém, só aderiu ao movimento restando 15 minutos para o fim da votação.

O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) usou as redes sociais na tentativa de ironizar o fato de deputados bolsonaris­tas, em sua maioria do PSL, defenderem o fim dos privilégio­s dos políticos, mas terem votado a favor da LDO. “Todos os bolsonaris­tas votaram a favor de triplicar

• Destino

“Antes de discutir o volume, é preciso discutir o nível de transparên­cia e o que se faz com os recursos.”

Marcelo Issa

DIRETOR EXECUTIVO DA TRANSPARÊN­CIA PARTIDÁRIA

o Fundo Partidário. O PT votou contra. Logo eles que estufavam o peito para dizer que a mamata acabou”, escreveu.

A relação, no entanto, é falsa. O texto aprovado no Congresso não se restringe ao fundo eleitoral, como o deputado deu a entender. O PSL votou a favor da LDO, mas se opôs à emenda que aumentou os recursos dos partidos. O PT fez o caminho inverso: votou contra o texto final, mas não apoiou a iniciativa do Novo.

“O PT sempre defendeu o financiame­nto público como forma de reduzir a influência do poder econômico no processo democrátic­o, no mesmo sentido da decisão do STF que proibiu as doações de empresas a candidatos”, disse a assessoria da sigla. O partido faz referência à decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em 2015, que proibiu as empresas privadas de fazer doações para campanhas, como forma de reduzir as negociatas pré-eleitorais.

O diretor executivo da Transparên­cia Partidária, Marcelo Issa, observou que, além de reservar valores bilionário­s para financiar os partidos, o Brasil dispõe de poucos mecanismos para checar a forma como o dinheiro público é gasto. Para ele, a Lei de Acesso à Informação deve ser aplicada às siglas.

“Antes de discutir o volume dos recursos, é preciso discutir o nível de transparên­cia e o que se faz com os recursos. Até uma discussão sobre a adequação desse montante fica comprometi­da na medida em que é difícil conhecer com precisão o destino dos recursos”, afirmou. “A gente precisa caminhar para um sistema eleitoral que reduza os custos de campanha sem prejuízo à qualidade do debate e ao acesso à informação para que o eleitor possa formar sua convicção de modo adequado.”

Issa apontou a cláusula de barreira como um horizonte para a redução dos gastos com os partidos. Aprovada na minirrefor­ma eleitoral de 2017, esse dispositiv­o impõe novas regras de acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário e limita o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, de acordo com o nível de representa­ção das siglas na Câmara. A norma é temida por partidos pequenos, que tendem a desaparece­r com o endurecime­nto gradual das exigências.

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ROQUE DE SA/AGENCIA SENADO - 15/7/2021 Congresso. Sessão na semana passada em que deputados e senadores aprovaram o montante de R$ 5,7 bilhões para as campanhas eleitorais de 2022

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