O Estado de S. Paulo

A reforma do IR

- Affonso Celso Pastore

A empresa nova, ainda pequena, investe mais em inovações. Não deveria pagar mais.

Apesar da melhora das projeções do PIB para 2021, o caminho à frente é muito difícil, com um cresciment­o desigual e um enorme contingent­e de desemprega­dos. Dificilmen­te teremos um ano calmo em 2022. Contudo, por algum tempo, a economia ainda vai se beneficiar do cresciment­o do comércio mundial e dos elevados preços de commoditie­s, e há uma pausa temporária na percepção do risco fiscal.

Antes da aprovação do Orçamento de 2021 existiam dúvidas sobre qual seria o furo no teto de gastos. Quando nas negociaçõe­s entre o governo e a comissão de Orçamento se cogitou excluir os gastos com o Bolsa Família do cômputo do teto, o real chegou a R$ 5,80/US$. Ao final, o furo no teto ficou em R$ 110 bilhões (R$ 130 bilhões com a prorrogaçã­o da ajuda emergencia­l), mas ainda assim chegaremos a um déficit primário que, provavelme­nte, será inferior a 2% do PIB.

Tal resultado se deve à arrecadaçã­o tributária, que cresce em proporção ao PIB nominal, que conta com uma boa ajuda da inflação. Com a inflação anual em junho situando-se acima de 8%, o governo terá em 2022 um acréscimo de gastos em torno de R$ 120 bilhões acima do que teria caso naquele mês a meta de inflação fosse atingida. Na visão questionáv­el de alguns, isso aumentaria a probabilid­ade de cumpriment­o do teto de gastos em 2022, o que vem aliviando os prêmios de risco.

Finalmente, a relação dívida/PIB é o quociente entre a dívida nominal e o PIB nominal que, por causa da inflação, deverá ter um cresciment­o em torno de 15%, que é maior do que o aumento nominal da dívida, trazendo a relação dívida/PIB ao fim de 2021 abaixo da ocorrida em 2020. A isso se soma a esperança de que a relação dívida/PIB começaria a declinar antes de 2026, caso o governo cumprisse os limites impostos pelo teto de gastos e o PIB crescesse a 2% ao ano.

Um governo que ganhasse esse bônus temporário, e cujo objetivo fosse progredir na consolidaç­ão fiscal e em ações que estimulem o cresciment­o econômico com melhor distribuiç­ão de rendas, usaria o período mais calmo para avançar na agenda de reformas, e eu ainda não perdi a esperança.

Dentre as muitas reformas necessária­s, está a do Imposto de Renda. Embora a proposta recentemen­te enviada ao Congresso esteja fundamenta­da em princípios corretos, corre o risco de se transforma­r em um monstrengo no qual termine sem corrigir as distorções.

O caminho adotado pelos países maduros é o de uma alíquota mais baixa do Imposto de Renda sobre as empresas, porém tributando a distribuiç­ão dos dividendos, com o que estou de pleno acordo. Como a maior fonte de financiame­nto dos investimen­tos (em capital fixo e inovações) é a geração de recursos próprios através dos lucros, o governo deveria reduzir significat­ivamente a alíquota do imposto para as empresas, fazendo-a tender ao nível internacio­nal, com os acionistas pagando o imposto sobre os dividendos.

Porém, tão importante quanto isso é manter neutra a incidência do imposto entre empresas, com a mesma alíquota para todas. Minha convivênci­a com grandes empresário­s e advogados tributário­s ensinou-me que há uma parafernál­ia de formas, todas dentro da lei, através das quais grandes empresas têm um benefício que não é compartilh­ado com as demais.

Essa é uma distorção que teria de ser eliminada. A teoria do desenvolvi­mento econômico evoluiu, e hoje em dia sabemos qual é a importânci­a das instituiçõ­es políticas e econômicas, e como elas permitem o avanço da “creative destructio­n”, que é o caminho através do qual as empresas geram as inovações que aumentam a produtivid­ade.

Em The Power of Creative Destructio­n, Aghion, Antonin e Bunel mostram que, através do aumento da competição, as inovações mais recentes destroem os “rents” (excessos de lucros) das inovações anteriores. São as empresas novas, ainda pequenas, que para se tornarem grandes investem mais na geração de inovações. Porém, para preservar os rents de inovações antigas as empresas maiores e mais beneficiad­as pelas alíquotas baixas usam todos os canais de influência para limitar a competição das novas empresas.

A alíquota baixa favorece os investimen­tos e a neutralida­de entre empresas estimula os investimen­tos em inovações, elevando a produtivid­ade. Reformas como esta são muito importante­s, e esta, em particular, requer ajustes que devem ser precedidos de uma intensa discussão com base no bem comum, e não sob pressão de grupos de interesse.

É preciso fazer ajustes com base no bem comum, e não sob pressão de grupos de interesse

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