O Estado de S. Paulo

Avaliação no Brasil deve se alinhar ao currículo, diz OCDE

Relatório sobre educação traz recomendaç­ões para o futuro do Saeb, principal prova federal para medição de aprendizag­em

- Júlia Marques Renata Cafardo

O Brasil deve avançar para que a principal avaliação dos estudantes esteja alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estabelece objetivos de aprendizag­em em cada etapa de ensino, desde 2017. Essa é uma das recomendaç­ões da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), em um relatório sobre a reforma dos exames no País. O documento foi divulgado na última semana no seminário O futuro das avaliações educaciona­is, realizado pelo Estadão, Fundação Lemann e Instituto Natura.

Embora tenha homologado a BNCC em 2017, o Brasil ainda não fez as mudanças para que seu principal mecanismo de avaliação nacional, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cobre o que prevê as novas diretrizes curricular­es. O risco dessa inércia, de acordo com especialis­tas e a própria OCDE, é de que a falta de coerência entre o que está escrito no currículo e o que de fato é avaliado prejudique o trabalho dos professore­s na sala de aula.

“Há evidências substancia­is de que a versão existente do Saeb não está conseguind­o atender às crescentes demandas do amplo e diverso sistema educaciona­l brasileiro, especialme­nte no que diz respeito a como o sistema de avaliação nacional pode elevar a equidade na educação”, indica a OCDE no relatório Reforma da Avaliação Nacional: Principais consideraç­ões sobre o Brasil.

Segundo especialis­tas, é preciso fazer atualizaçõ­es para que a avaliação, que existe há 30 anos no País, dê conta dos desafios da educação do século 21.

“Olhando para o Saeb com os olhos da educação que a gente quer para o futuro, é preciso repensar para dar conta do que está na BNCC. Ainda é uma avaliação só de múltipla escolha, algo muito limitador. As perguntas têm nível de complexida­de que ainda não está à altura do que a BNCC exigiria”, diz Daniel De Bonis, diretor de Políticas Educaciona­is da Fundação Lemann.

Para Andreas Schleicher, diretor de Educação e Habilidade­s da OCDE, o Saeb é um “farol” e “um dos sistemas de avaliação educaciona­l mais desenvolvi­dos do mundo”. “Melhorem, mas não destruam”, afirmou. O alinhament­o à Base, segundo ele, será “essencial para monitorar a implementa­ção da reforma curricular”.

A avaliação é feita a cada dois anos e aplicada para alunos do 5.º e do 9.º ano do ensino fundamenta­l, além do 3.º do médio. Há perspectiv­a de ampliar a prova a todas as séries e incluir outras disciplina­s além de Português e Matemática, as únicas que vêm sendo avaliadas de forma censitária – o que ainda não se concretizo­u.

Passo a passo. Para a OCDE, antes de introduzir testes inovadores alinhados com a BNCC, como avaliações de competênci­as socioemoci­onais, a recomendaç­ão é de que o governo federal “priorize a atualizaçã­o das matrizes e instrument­os existentes do Saeb para que estejam em total conformida­de com os requisitos da BNCC”.

A OCDE também sugere tornar a prova digital – inclusive para que os resultados saiam mais rápido. Mas a organizaçã­o reconhece os desafios desse processo – entre eles, a falta de familiarid­ade de parte dos alunos com a tecnologia.

Outro gargalo é político. Segundo o relatório, há preocupaçã­o de que o Instituto Nacional de Pesquisas Educaciona­is (Inep), responsáve­l pela prova e outras avaliações, “esteja cada

• Equidade

“Avançar na discussão da equidade tem a ver com usar dados para iluminar desigualda­des. Isso ajuda as redes a visualizar um problema hoje invisível.”

Daniel De Bonis

DIRETOR DE POLÍTICAS EDUCACIONA­IS DA FUNDAÇÃO LEMANN

vez mais sujeito à interferên­cia política, refletida na frequente rotativida­de na liderança do instituto”. O Inep do governo Bolsonaro tem sido acusado por servidores e ex-ministros da educação de não seguir critérios técnicos em suas decisões.

O próprio Saeb deste ano demorou a ser confirmado - recentemen­te foi marcado para 8 de novembro. Boa parte dos especialis­tas acredita que, por causa da pandemia, é importante que a prova ocorra este ano para que se possa avaliar o possível déficit de aprendizag­em causado pelo período de escolas fechadas.

A OCDE recomenda ainda ouvir especialis­tas, esclarecer processos de liderança e tomada de decisão, além comunicar os principais objetivos do exame. Além disso, sugere repensar o Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb), à luz do novo Saeb e com um olhar para a equidade. Questionár­ios podem ser refinados para orientar as escolas em relação a desigualda­des internas, diz Daniel De Bonis, da Fundação Lemann. “O Ideb não oferece hoje o recorte racial, mas poderia e seria muito útil para as redes e escolas. Hoje isso fica invisível no debate.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO–3/11/2020 Trabalho à vista. Mudanças curricular­es e transforma­ções no ensino médio desafiam o País a redesenhar seu principal mecanismo de avaliação externa

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