O Estado de S. Paulo

Triste adeus de Pelé à seleção completa 50 anos

História. Maracanã foi o palco da última cena do Rei do Futebol com a Amarelinha. Mais de 150 mil pessoas pediram: ‘fica, fica, fica’

- Toni Assis

“O clima na arquibanca­da era de extrema tristeza. Muitas pessoas chorando. Ninguém aceitando aquela despedida. Parecia um velório num campo de futebol. Ver o Brasil sem Pelé era como deixar o torcedor órfão.” O desabafo vem acompanhad­o de um tom de nostalgia. Mesmo passados 50 anos do último jogo de Pelé pela seleção brasileira, o sentimento de luto segue vivo na memória de Mauro Prais, que naquele 18 de julho de 1971, ainda adolescent­e, assistiu à última atuação do Rei do Futebol da arquibanca­da do Maracanã. O País parou para ver e lamentar.

Hoje, com 64 anos, e morando nos Estados Unidos, Prais é engenheiro elétrico e também pesquisado­r da história do Vasco. Fã de Roberto Dinamite, ele coloca Pelé, ainda hoje, na condição de ídolo incomparáv­el junto à seleção brasileira. “O Pelé conseguia unir as quatro grandes torcidas do Rio. Você sabia que o seu time iria perder para o Santos, mas todos comparecia­m ao Maracanã para ver o Pelé em campo.” Isso acontecia não somente no Rio. O Santos desfilava seu talento pelo Brasil sob o comando do camisa 10.

A partida que marcou o fim do ciclo do Rei terminou em empate de 2 a 2 com a Iugoslávia. Apesar de ter passado em branco (Rivellino e Gerson marcaram para o Brasil), Prais lembra que o camisa 10 fez de tudo para presentear a torcida com um gol na despedida. “A gente percebia que os companheir­os jogavam em função do Pelé para que ele pudesse marcar. E esse era também o desejo dos torcedores. No fundo, todos tinham uma esperança de que Pelé pudesse voltar atrás em sua decisão de não jogar mais pela seleção”, contou Prais ao Estadão.

Das arquibanca­das para o gramado, o jogo também mexeu

com a emoção de quem esteve no Maracanã pelo dever do ofício. Então repórter de campo, Washington Rodrigues, o Apolinho, classifico­u a partida como uma das mais complicada­s de seu vasto currículo de transmissõ­es. “Foi difícil de trabalhar, a imprensa inteira querendo falar com Pelé. Muitos ficaram com a voz embargada. Nós, jornalista­s, nos emocionamo­s e o Pelé também. E quando a torcida começou a gritar ‘fica, fica, fica’, foi uma coisa de louco. O Pelé não era do Santos, o Pelé era do Brasil”, disse o jornalista.

Presente também quando Pelé marcou o milésimo gol, em novembro de 1969, Apolinho comparou o clima daquela partida com a despedida diante da Iugoslávia. “O jogo do milésimo gol foi uma festa, homenagens, euforia. Contra os iugoslavos, não. Acho que foi o maior velório a céu aberto do mundo. Para onde você olhava, tinha gente chorando na arquibanca­da. E o Maracanã recebeu umas 150 mil pessoas para o jogo.”

O encerramen­to do primeiro tempo marcou o fim da era Pelé. Ali ele se despediu, cumpriment­ou os companheir­os e adversário­s e deu uma volta olímpica com as crianças. “Foi um jogo de 45 minutos. A própria Iugoslávia perdeu o sentido de competição com a saída do Pelé de cena”, completou Apolinho, que acompanhou de perto a carreira do Rei no Santos e Brasil.

Em seus últimos momentos à serviço da seleção brasileira, Pelé justificou o que dele se esperava. Procurou jogo, finalizou com perigo, fez tabela com Gerson e Rivellino e, por várias vezes, tramou jogadas ofensivas com os atacantes Zequinha e Vaguinho. Pelé tinha 30 anos e havia acabado de ganhar a Copa do Mundo de 1970, no México.

Para o ex-lateral Zé Maria, então com 22 anos, aquele jogo ainda deixa marcas em sua memória. “Foi um dia que eu não gostaria de ter vivido. Ele estava inteiro e poderia continuar conosco. Ele não era o capitão, mas era um líder do time. Ao mesmo tempo em que nos motivava e passava confiança, também cobrava da gente em campo. Dizia sempre que precisávam­os correr pelos mais velhos e que um dia nós iríamos substituir aquela geração consagrada”.

Zé Maria mencionou ainda o clima do vestiário daquele último jogo do Rei. “Foi muito abaixo do normal de alegria. O Pelé estava tranquilo, mas nós sabíamos que seria a última vez dele conosco. Ele relaxou enquanto fazia massagem, deu até uma cochilada. Mas foi uma despedida, né?” Pelé tinha hábito de se desligar no vestiário antes das partidas. Dormir antes dos jogos era comum para ele.

Apesar de ter sido titular do time que conquistou a Copa de 1970, no México, Clodoaldo, assim como Zé Maria, também pertencia a uma geração mais nova. “Sou um privilegia­do. Comecei a treinar contra o Pelé com 15 anos e, aos 17, passei a jogar ao seu lado no Santos. Lembro que no vestiário daquele jogo no Maracanã, o Pelé estava feliz. O sentimento dele era de que tinha cumprido a missão com a seleção brasileira. Tínhamos de respeitar. Mas ele tinha condição de jogar mais uns dez anos se quisesse”, diz o volante.

Chamado de Reizinho do Parque pela imprensa, coube a Rivellino a missão de vestir a camisa 10 consagrada por Pelé após a sua aposentado­ria. O então jogador corintiano fez um dos gols no empate contra os iugoslavos em julho de 71. “Eu fiz aquele gol porque o Pelé já tinha saído. Se ele estivesse na área, claro que eu daria o passe para ele. Na minha cabeça, o Pelé tinha de fazer um gol para coroar aquela festa. Pelé representa­va muito para mim. Dei sequência à carreira na seleção, disputei mais duas Copas do Mundo, mas nunca aceitei comparação com ele. A distância para o Pelé é muito grande”, diz.

Rivellino comentou ainda da homenagem feita pelos jogadores no intervalo da partida. “Todos nós tiramos a camisa e demos para ele. Era uma homenagem nossa para o Rei. O mínimo que podíamos fazer. Espero que ele tenha guardado essa lembrança, pois é um cara muito especial na minha vida.”

O colecionad­or Fábio Duque, de 46 anos, ainda nem tinha nascido quando Pelé decidiu encerrar seu ciclo com a camisa amarela no amistoso contra a Iugoslávia no Maracanã. Também nunca conheceu o craque santista pessoalmen­te. Mas, em sua casa, ele tem uma joia rara ligada ao ex-jogador: uma camisa 10 do Brasil que o Rei usou na temporada de 1971, ano da sua despedida da seleção nacional.

A peça chegou em suas mãos em janeiro do ano passado. Nela, já havia as três estrelas relativas ao tricampeon­ato no México, em 70. Para adquirir a relíquia, Fábio desembolso­u R$ 5 mil. Hoje, para iniciar qualquer negociação, a proposta tem de ser superior a R$ 20 mil.

“A pessoa de Santos entrou em contato comigo. O avô tinha sido técnico do Jabaquara e era muito amigo do Pelé, que o presenteou com a camisa. Tenho essa relíquia e alimento o sonho de um dia poder conhecer o Pelé pessoalmen­te”, comentou Duque, dono de um e-commerce de camisas de futebol.

Considerad­o pelo próprio Pelé como o camisa 10 que mais se aproximou ao seu estilo no Brasil, Zico viveu naquele mesmo dia, e também no mesmo gramado, um momento importante de sua carreira. Com 18 anos, ele atuou pela seleção carioca de juvenis contra o Vasco, campeão da categoria naquele ano, e fez o gol da vitória de 1 a 0.

“Meu objetivo era tentar ser titular do Flamengo. E deu certo. Por causa daquele jogo, o Fleitas Solich (técnico) me chamou para o time de cima. Fiquei com os profission­ais até ser convocado para a seleção pré-olímpica do Brasil”, contou Zico.

Durante a entrevista, o Galinho falou do ambiente que cercou o Maracanã. “Todo mundo triste, mas sabíamos que um dia isso ia acontecer. Infelizmen­te eu não pude ver o jogo porque estava sozinho e tinha de voltar logo para casa. Mas no segundo tempo da preliminar, o estádio já estava lotado. E para um garoto como eu, jogar num Maracanã cheio, fazer um gol num dia de despedida do maior de todos, é especial mesmo”, diz.

30 anos de idade tinha Pelé quando decidiu deixar a seleção brasileira, em 18 de julho de 1971. Brasil e Iugoslávia ficaram no 2 a 2 no Maracanã.

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ACERVO / ESTADÃO - 18/07/1971. Pelé. Olhos abertos e bola no peito: sem perder a majestade

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