A inflação estatística e os preços do supermercado
Os números oficiais da inflação e do desemprego refletem a situação real ou, por conta desta crise, vêm sofrendo alguma distorção? A pergunta não é tão descabida porque se espalha a percepção de que o buraco é mais embaixo do que dizem as frias estatísticas.
Em outras oportunidades esta Coluna já mencionou que a pandemia mudou muito as coisas. A cesta de consumo do brasileiro, especialmente a das classes médias, mudou porque houve o distanciamento social, houve o home office, as encomendas por delivery, mais despesas com computador, internet e energia elétrica dentro de casa. Em compensação, viagens, despesas com condução ou combustíveis caíram substancialmente, compras de roupas e despesas com serviços pessoais foram adiadas e tal.
Foi um tempo em que a estrutura de consumo para fins estatísticos praticamente não mudou. Os técnicos dos institutos de pesquisa trabalharam com a mesma cesta média de consumo. As despesas com serviços pessoais e de saúde continuaram pesando 13,1% no orçamento, embora na prática tenham mudado. Para que possa mudar a cesta de consumo, os institutos têm de fazer complicados e prolongados levantamentos que, depois de certo tempo, ajudam a avaliar quais itens estão sendo mais ou menos consumidos. É preciso admitir a existência de certas distorções que, no curto prazo, não conseguem ser medidas.
Saindo do quadro puramente estatístico, aumentou a percepção do consumidor de que o impacto sobre o orçamento ficou mais forte do que o espelhado pelos números oficiais. Foi influenciado pela alta do dólar, reajustes dos combustíveis, correção dos aluguéis pelo IGP-M e pelo aumento dos preços dos alimentos, que se seguiu à alta das commodities. Nessa hora, o consumidor não tem condições de fazer uma contabilidade mais precisa sobre o que perdeu e o que ganhou
no custo de vida. Sobrou a sensação de que as despesas da feira e do supermercado aumentaram muito mais do que dizem os números.
Neste ano, a partir de maio, com o efeito vacina e outras novidades, as coisas se inverteram. Os combustíveis subiram ainda mais, a bandeira vermelha da conta de luz aumentou a pressão, o setor de serviços, que andava encolhido, passou a reajustar seus preços e os alimentos agora enfrentam os efeitos da seca.
Na área do emprego, a questão parece mais de entendimento das mudanças. O brasileiro médio ainda não percebeu que estamos diante de uma revolução das relações de trabalho. Muitos analistas continuam achando que o único emprego que presta é o da indústria, desconsiderando que quase 75% da economia está no setor de serviços. Além disso, as novas tecnologias e os aplicativos estão lançando cada vez mais força de trabalho nas ocupações autônomas, que muita gente insiste em dizer que não passam de trabalho informal, disfarçado ou não.
São, é verdade, atividades que ignoram tanto a proteção ao trabalho quanto a contribuição previdenciária mínima. Mas se o mercado está se encaminhando para nova estrutura de ocupação, então é preciso recalibrar não só a estrutura de direitos e de defesa desses profissionais, mas, também, medir e qualificar melhor as mudanças em curso.