Um futuro melhor?
Qualquer pessoa esperaria que todos os sinais estivessem apontando para um futuro melhor. A tecnologia moderna tornou possível a produção de uma imensa quantidade de vacinas em diversos países de um modo praticamente milagroso. Mas nem todo mundo foi beneficiado. Os mais pobres, seja nos países em desenvolvimento, seja naqueles com rendas muito mais baixas, têm sofrido muito mais em relação a oportunidades de emprego, acesso à alimentação e até mesmo segurança pessoal.
Com sorte, este processo de vacinação se espalhará dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e da China para muitos países na África, na Ásia e na América Latina, onde a cobertura tem sido escassa. Milhões de doses foram disponibilizadas para países em desenvolvimento. A Indonésia é o último grande país a ver o número de casos aumentar rapidamente. Até a Olimpíada no Japão, prestes a começar, foi forçada a limitar o público a um pequeno grupo de pessoas.
Mesmo que um ressurgimento de casos tenha acabado de acontecer em estados dos Estados Unidos onde a vacinação está atrasada, é prudente manter-se otimista de que o porcentual de cobertura se ajustará para cima em questão de meses. Então, as políticas nacionais terão de lidar com a recuperação contínua das taxas de mortalidade, que aumentaram para um nível muito acima do normal.
Praticamente todos os países enfrentarão a necessidade de pelo menos uma reconstrução parcial – nas economias, nos sistemas educacionais, nas políticas, nas regras e nos regulamentos que definem a ética e a cultura deles. Assim como a pandemia nos atingiu tão completamente em um curto período de tempo, ela também expôs incapacidades persistentes para se transformar positivamente no passado recente.
O próximo período proporcionará oportunidades abundantes para avanços positivos. Mas a magnitude desse desafio não deve ser desconsiderada. Em muitos países, não há acordo em relação ao que deve ser feito, quem deve pagar por isso e como isso deve ser administrado.
Além disso, a maioria das questões envolve um componente global, e não meramente nacional. O caso clássico é o das mudanças climáticas. Já se viu que importantes deteriorações começaram a ocorrer. Os aumentos de temperatura têm sido maiores do que o previsto há dez anos. As secas estão por todos os lados. As reduções das florestas devido aos preocupantes incêndios têm se tornado comuns. Graves inundações causadas por furacões e precipitações recordes de chuvas também se proliferaram.
Neste exato momento, ocorrem enchentes na Europa, seca no oeste dos EUA, um imenso incêndio no sul do Oregon e até mesmo início da emissão de carbono em uma parte da Amazônia onde as árvores já foram derrubadas.
Mas há muitas outras áreas, que vão desde finanças, comércio internacional, comunicação, transporte e, inclusive, como todos sabemos agora, saúde pública, com características semelhantes de propagação. Lidar com elas apresenta desafios. A globalização persiste.
Como bem se sabe, o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Trump conseguiram dar-se extraordinariamente bem durante os dois anos em que eles coincidiram no poder em 2019 e 2020. Eles concordaram que as mudanças climáticas não eram reais e precisavam de pouca atenção. No Oriente Médio, estavam unidos em apoio a Israel. E o problema da covid19 exigia apenas uma dose de hidroxicloroquina e pouca atenção para a necessidade de hospitalização ou vacinas. A CPI da Covid no Senado já expôs grandes esquemas durante o exercício de Pazuello como ministro da Saúde.
Bolsonaro não parabenizou Biden por sua eleição até o fim de 2020. Como muitos republicanos nos EUA, ele não acreditava no New York Times e em outras fontes semelhantes. Biden talvez tenha o título e possua o poder, mas não de forma legítima. Essa experiência tem reforçado a campanha de Bolsonaro pelo voto impresso para as eleições de 2022.
Eles também divergem nas estratégias econômicas.
O Brasil está comprometido, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a restabelecer o setor privado como proprietário e operador das instalações públicas. Seu compromisso de limitar as despesas do governo vem de seu doutorado em Chicago. A privatização é parte central dessa filosofia. A adoção plena desses princípios tem sido atrasada devido à contínua recessão brasileira, e à preferência instintiva de Bolsonaro – como militar – por subsídios em vez de restrições e por gastos em vez de economias.
Biden, por outro lado, vê o governo como um agente positivo para a mudança. O compromisso dele é com os maiores déficits imediatos do setor público, a fim de aumentar a produtividade de trabalho de forma consistente. Mais fundos para a infraestrutura exigirão – e conseguirão – um grau de apoio dos republicanos no Senado. Um adicional de US$ 3,5 trilhões, atualmente em discussão, está planejado para lidar com os primeiros anos de escolaridade, participação gratuita para os necessitados nas faculdades comunitárias, apoio a pesquisa e desenvolvimento, fortalecimento do Medicare e muitas outras necessidades. Biden quer ser outro Franklin Delano Roosevelt, não um imbecil Donald Trump.
✽ ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR EMÉRITO NAS UNIVERSIDADES DE COLUMBIA E DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY