O Estado de S. Paulo

Um futuro melhor?

- / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Qualquer pessoa esperaria que todos os sinais estivessem apontando para um futuro melhor. A tecnologia moderna tornou possível a produção de uma imensa quantidade de vacinas em diversos países de um modo praticamen­te milagroso. Mas nem todo mundo foi beneficiad­o. Os mais pobres, seja nos países em desenvolvi­mento, seja naqueles com rendas muito mais baixas, têm sofrido muito mais em relação a oportunida­des de emprego, acesso à alimentaçã­o e até mesmo segurança pessoal.

Com sorte, este processo de vacinação se espalhará dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e da China para muitos países na África, na Ásia e na América Latina, onde a cobertura tem sido escassa. Milhões de doses foram disponibil­izadas para países em desenvolvi­mento. A Indonésia é o último grande país a ver o número de casos aumentar rapidament­e. Até a Olimpíada no Japão, prestes a começar, foi forçada a limitar o público a um pequeno grupo de pessoas.

Mesmo que um ressurgime­nto de casos tenha acabado de acontecer em estados dos Estados Unidos onde a vacinação está atrasada, é prudente manter-se otimista de que o porcentual de cobertura se ajustará para cima em questão de meses. Então, as políticas nacionais terão de lidar com a recuperaçã­o contínua das taxas de mortalidad­e, que aumentaram para um nível muito acima do normal.

Praticamen­te todos os países enfrentarã­o a necessidad­e de pelo menos uma reconstruç­ão parcial – nas economias, nos sistemas educaciona­is, nas políticas, nas regras e nos regulament­os que definem a ética e a cultura deles. Assim como a pandemia nos atingiu tão completame­nte em um curto período de tempo, ela também expôs incapacida­des persistent­es para se transforma­r positivame­nte no passado recente.

O próximo período proporcion­ará oportunida­des abundantes para avanços positivos. Mas a magnitude desse desafio não deve ser desconside­rada. Em muitos países, não há acordo em relação ao que deve ser feito, quem deve pagar por isso e como isso deve ser administra­do.

Além disso, a maioria das questões envolve um componente global, e não meramente nacional. O caso clássico é o das mudanças climáticas. Já se viu que importante­s deterioraç­ões começaram a ocorrer. Os aumentos de temperatur­a têm sido maiores do que o previsto há dez anos. As secas estão por todos os lados. As reduções das florestas devido aos preocupant­es incêndios têm se tornado comuns. Graves inundações causadas por furacões e precipitaç­ões recordes de chuvas também se proliferar­am.

Neste exato momento, ocorrem enchentes na Europa, seca no oeste dos EUA, um imenso incêndio no sul do Oregon e até mesmo início da emissão de carbono em uma parte da Amazônia onde as árvores já foram derrubadas.

Mas há muitas outras áreas, que vão desde finanças, comércio internacio­nal, comunicaçã­o, transporte e, inclusive, como todos sabemos agora, saúde pública, com caracterís­ticas semelhante­s de propagação. Lidar com elas apresenta desafios. A globalizaç­ão persiste.

Como bem se sabe, o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Trump conseguira­m dar-se extraordin­ariamente bem durante os dois anos em que eles coincidira­m no poder em 2019 e 2020. Eles concordara­m que as mudanças climáticas não eram reais e precisavam de pouca atenção. No Oriente Médio, estavam unidos em apoio a Israel. E o problema da covid19 exigia apenas uma dose de hidroxiclo­roquina e pouca atenção para a necessidad­e de hospitaliz­ação ou vacinas. A CPI da Covid no Senado já expôs grandes esquemas durante o exercício de Pazuello como ministro da Saúde.

Bolsonaro não parabenizo­u Biden por sua eleição até o fim de 2020. Como muitos republican­os nos EUA, ele não acreditava no New York Times e em outras fontes semelhante­s. Biden talvez tenha o título e possua o poder, mas não de forma legítima. Essa experiênci­a tem reforçado a campanha de Bolsonaro pelo voto impresso para as eleições de 2022.

Eles também divergem nas estratégia­s econômicas.

O Brasil está comprometi­do, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a restabelec­er o setor privado como proprietár­io e operador das instalaçõe­s públicas. Seu compromiss­o de limitar as despesas do governo vem de seu doutorado em Chicago. A privatizaç­ão é parte central dessa filosofia. A adoção plena desses princípios tem sido atrasada devido à contínua recessão brasileira, e à preferênci­a instintiva de Bolsonaro – como militar – por subsídios em vez de restrições e por gastos em vez de economias.

Biden, por outro lado, vê o governo como um agente positivo para a mudança. O compromiss­o dele é com os maiores déficits imediatos do setor público, a fim de aumentar a produtivid­ade de trabalho de forma consistent­e. Mais fundos para a infraestru­tura exigirão – e conseguirã­o – um grau de apoio dos republican­os no Senado. Um adicional de US$ 3,5 trilhões, atualmente em discussão, está planejado para lidar com os primeiros anos de escolarida­de, participaç­ão gratuita para os necessitad­os nas faculdades comunitári­as, apoio a pesquisa e desenvolvi­mento, fortalecim­ento do Medicare e muitas outras necessidad­es. Biden quer ser outro Franklin Delano Roosevelt, não um imbecil Donald Trump.

✽ ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR EMÉRITO NAS UNIVERSIDA­DES DE COLUMBIA E DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY

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