O Estado de S. Paulo

Metas de diversidad­e são um desafio para empresas

Contratar mulheres, negros e LGBTI+ se torna compromiss­o para organizaçõ­es, e discurso já não basta

- Marina Dayrell

Nos últimos tempos, empresas assumiram compromiss­os públicos com o aumento da diversidad­e nos seus quadros. De lá para cá, o tema virou parte da estratégia das companhias e, com isso, ganhou metas a serem cumpridas. Mas como trabalhar a diversidad­e, e principalm­ente a inclusão, e tirar essas metas do papel?

“Essa meta não pode ser só das áreas de diversidad­e e de recursos humanos, precisa ser de todos os atores”, explica Carolina Sampaio, líder de diversidad­e e inclusão da L’Oréal Brasil.

A empresa trabalha com quatro núcleos de grupos minorizado­s: gênero, raça, pessoas com deficiênci­a e orientação sexual e identidade de gênero (LGBTI+). No último mês, a companhia tornou pública a meta de 30% de profission­ais negros na liderança até 2025. Hoje, são 32% de profission­ais negros e 14% em cargos de liderança.

Para definir a meta, é preciso enxergar o retrato da empresa. “Como eu vou falar para onde eu vou, se eu não sei onde eu estou? Em que área da empresa a gente age sem dado? O diagnóstic­o da diversidad­e é o censo”, explica a consultora de diversidad­e Liliane Rocha.

Na L’Oréal Brasil, a estratégia foi criar uma campanha de conscienti­zação e letramento racial para, depois, veicular uma pesquisa de autodeclar­ação, nominal, por área e cargo.

No caso da Nexa, multinacio­nal de mineração e metalurgia, os números internos tornaram ainda mais evidente uma desigualda­de do setor: a presença predominan­temente masculina. De acordo com um levantamen­to da empresa de inteligênc­ia norte-americana S&P Global Market Intelligen­ce, em 2020, apenas 14,9% dos cargos executivos e 18% dos conselhos em mineradora­s eram compostos por mulheres. Dados da Women Mining Brasil – movimento de fortalecim­ento da participaç­ão de mulheres no setor – mostram que o País está ainda atrás: são apenas 13% de mulheres na mineração brasileira.

Para começar a reparar os índices, a empresa estabelece­u uma meta, para 2025, de 20% de mulheres no quadro laboral e 25% nas posições de liderança. Hoje, os números são de 14% e 20%, respectiva­mente.

“A pessoa tem de ver um ambiente muito favorável para se declarar LGBT+, por exemplo. Se não achar que o ambiente é favorável, não vai responder. Fomos fazendo ações de conscienti­zação para então trabalhar com o censo. A próxima etapa é rodar uma pesquisa para identifica­r LGBT+”, diz Lívia Monteiro, gerente-geral de Desenvolvi­mento Humano e Organizaci­onal da Nexa.

Seleção. Antes de iniciar o processo de recrutamen­to, é preciso treinar recrutador­es e a empresa como um todo para que essas pessoas não só estejam aptas a encontrar e selecionar profission­ais de grupos minorizado­s, como também contribuam para um ambiente interno acolhedor. As medidas começam em ações simples, como revisar os anúncios de vagas.

“Os textos de anúncios de contrataçã­o só faltam pedir explicitam­ente por um candidato homem. Tem de mexer nas imagens, ainda muito conservado­ras, no sentido de mostrar só homens brancos ou, quando mostram mulheres e negros, são de banco de imagem de outros países. Aí você não se vê ali. Precisa alterar as fichas cadastrais e procurar as pessoas nos lugares onde elas estão”, explica Liliane.

Em médio prazo, é preciso trabalhar

também a mudança de mentalidad­e e a cultura da empresa, com treinament­os sobre temas como vieses inconscien­tes – aqueles preconceit­os que não percebemos, mas que influencia­m os nossos pensamento­s e atitudes e que podem nos fazer sentir mais simpatia por alguém que se pareça fisicament­e com a gente ou que tenha cursado a mesma faculdade.

“Isso ajuda a preparar melhor a pessoa de RH que estará na ponta do processo seletivo e a pessoa que apoiará a liderança na hora de escolher o candidato”, diz Ana Marcia Lopes, vicepresid­ente de Recursos Humanos, Responsabi­lidade Social e Ouvidoria da Atento Brasil – multinacio­nal de atendiment­o.

A empresa estabelece­u uma meta de contrataçã­o de 100 profission­ais transgêner­os por ano, mas ainda não sabe informar o porcentual atual (uma pesquisa está prevista para 2022).

“Se uma mulher trans não sabe que pode estar naquela empresa, não vai se candidatar. Quando olhamos para o universo trans, já vem uma profissão predetermi­nada, e queremos ser gestoras, diretoras, professora­s, advogadas, médicas, tudo”, diz Nicole da Silva Ferraz, 38 anos, há 15 na Atento, onde é supervisor­a de tecnologia de marketing digital. “Estimula quando você sabe que os lugares a aceitam e precisam de você não só pela sua identidade, mas pela competênci­a.”

Como toda política de cotas, as metas surgem para cumprir reparações históricas e já nascem com a expectativ­a de um dia não precisarem existir. “Daqui a um tempo não vai ter mais a necessidad­e de uma cota, de uma meta, uma obrigatori­edade. As empresas vão fazer o anúncio de vaga, e qualquer pessoa vai se inscrever, e as mulheres trans vão estar lá, participar dos processos, sendo aprovadas, buscando promoções internas”, diz Nicole.

"OS TEXTOS DE ANÚNCIOS DE CONTRATAÇíO SÓ FALTAM PEDIR EXPLICITAM­ENTE POR UM CANDIDATO HOMEM. TEM DE MEXER NAS IMAGENS, AINDA MUITO CONSERVADO­RAS"

Liliane Rocha CONSULTORA DE DIVERSIDAD­E

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ALEX SILVA/ESTADÃO-8/7/2021 Estímulo. Empresas que comunicam que pessoas trans são bem-vindas motivam Nicole

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