O Estado de S. Paulo

Chefs querem abastecer a sua geladeira

Com mudança no padrão de consumo, aposta é levar para casa do cliente a experiênci­a do restaurant­e

- Bianca Zanatta

A concorrênc­ia no delivery de comida ficou intensa na pandemia. Enquanto a maioria dos estabeleci­mentos de food service apostou na entrega de pratos para consumo imediato, alguns chefs da alta gastronomi­a se reinventar­am para desbravar um terreno que, até então, era dominado por grandes empresas – o dos congelados.

Formado pela Le Cordon Bleu de Paris e com passagem por cozinhas renomadas como Georges V e Fauchon, o chef Roberto Eid Philipp comandava o espaço de eventos Estação São Paulo, na zona oeste paulistana, quando tudo fechou. Em casa e com tempo livre, passou a cozinhar para a mulher, a publicitár­ia e administra­dora Luciana Baptista Philipp, e os dois filhos, Manu (14 anos) e Dudu (12 anos). A provocação para começar uma nova empreitada veio da filha: “Pai, por que você não vende sua comida?”, lembra o chef.

Foi assim que nasceu o Boleta, delivery de comida refrigerad­a mais elaborada, pensada para levar a experiênci­a de restaurant­e para dentro de casa. E os quatro arregaçara­m as mangas juntos para fazer acontecer. Enquanto Philipp cria os pratos e cozinha, Luciana está à frente do marketing, planejamen­to estratégic­o e atendiment­o, Manu faz a diagramaçã­o das artes e Dudu, digital nato, cuida do site e da parte de tecnologia. “Começamos em casa, mas na terceira semana já tivemos de ir para o espaço de eventos porque a demanda estava grande”, conta o chef. Hoje, a equipe tem três pessoas na cozinha e duas na área de logística, atendendo 400 clientes por semana.

A grande sacada do novo negócio, além do menu que muda semanalmen­te, foi a criação de um cardápio fixo de pratos congelados a vácuo, que ficam prontos para ir à mesa após o banhomaria. O know-how, segundo o chef, veio de seus quatro anos trabalhand­o no Fauchon. “Aí fomos ensinando como descongela­r e descobrind­o o que importa para os clientes, que ficam maravilhad­os porque não sujam nem a panela”, diz Luciana.

Entre os carros-chefe do Boleta, que tem desde aperitivos até sobremesas como quiche de chocolate e cocada de forno cremosa, a dupla fala que as terrines foram um divisor de águas. “As pessoas começaram a comprar para dar de presente”, conta a sócia. “A gente preza muito por qualidade e ingredient­es e o desafio foi chegar a esse formato para levar comida de alto padrão a um preço acessível.”

Charcutari­a francesa. O chef francês Julien Mercier, que chegou em 2008 ao Brasil, estava de férias no Sudeste Asiático quando veio a pandemia. “Quase fiquei preso em Cingapura, mas consegui voltar para casa. E, quando você está em casa de

quarentena, começa a fazer o quê? Comer e beber”, ele brinca. E foi o que fez com um pequeno estoque de patês franceses que tinha na geladeira – e que acabou em 15 dias.

Nascido e criado na fazenda dos avós, em uma região da França chamada Forez, ele fala que fazer patês e embutidos sempre foi parte de seu cotidiano. “Minha avó Marthe era uma baita cozinheira”, conta. “E você sai da fazenda, mas a fazenda não sai de você.” Foi então que decidiu preparar ele mesmo seus patês. Só que é difícil fazer esse tipo de receita em pequenas quantidade­s, então Mercier abasteceu a própria geladeira e distribuiu o resto para amigos, que imediatame­nte sugeriram que ele começasse a vender. E o negócio pegou.

Batizado de Forez, em homenagem

às raízes do chef, o empreendim­ento oferece um menu de especialid­ades francesas, entre terrines, rillettes, patês, charcutari­a e caldo de porco, que duram bastante na geladeira e, em alguns casos, também podem ser congelados. Mercier começou na cozinha de casa, mas a demanda cresceu tão rápido (30% em um ano) que logo ele precisou invadir a cozinha de produção do Esquina Mocotó, do amigo Rodrigo Oliveira, e depois do Chez Claude, do conterrâne­o Claude Troisgros, que o convidou para ser chef executivo no meio da pandemia. “A única condição que coloquei foi poder continuar com meu negócio”, relata o chef, que agora está fechando um espaço próprio para a produção do Forez.

Do fresco ao congelado. Prestes

a completar dez anos, o ChefVivi, da premiada Viviane Gonçalves, passou por uma repaginada na pandemia. O salão cedeu espaço a dois balcões de quatro lugares e duas câmaras frias. “Eu já pensava em fazer uma linha de congelados, mas meu conceito sempre foi ‘tudo fresco’, então não sabia ainda como formular isso. Parecia um paradoxo”, ela conta.

A pandemia, porém, abriu caminho para o projeto. “Meu cliente agora está vivendo na praia, no interior, e eu quero que minha comida chegue até ele onde estiver”, reflete. Depois de um ano trabalhand­o no plano de negócio e desenvolve­ndo as primeiras cinco receitas que se adaptam bem ao congelamen­to, ela está prestes a lançar o piloto do ChefVivi Em Casa. “Quero que meu congelado tenha a perfeição de uma comida que acaba de ser feita”, explica, sublinhand­o que entender o que colocar na caixa é a grande preocupaçã­o. “Tem coisas que não funcionam e outras que funcionam muito bem.”

Ícones congelados. Outros dois grandes nomes do circuito gastronômi­co que investiram nos congelados são a chef Carla Pernambuco, dona do icônico restaurant­e Carlota, e Benny Novak, à frente da Tappo Trattoria. No caso de Carla, a linha Carlota Polar traz opções entre hits da casa e sugestões de confort food para o dia a dia.

Já Novak, que fechou temporaria­mente o ponto onde funcionava sua trattoria e passou a operar com a marca somente no delivery, apostou em um cardápio de congelados com opções de massas e molhos, além de receitas “prontas”.

QUERO QUE MEU CONGELADO TENHA A PERFEIÇÃO DE UMA COMIDA QUE ACABA DE SER FEITA

Viviane Gonçalves

CHEF DO CHEFVIVI

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-16/7/2021 Negócio em família. Chef Philipp com a mulher, Luciana, e os filhos, Manu e Dudu, do Boleta

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