O Estado de S. Paulo

FESTA HISTÓRICA EM CANNES

Em cerimônia marcada por gafe de Spike Lee, diretora Julia Ducournau leva Palma de Ouro

- Mariane Morisawa

Houve drama na vitória de Titane, de Julia Ducournau, a segunda mulher a ganhar a Palma de Ouro em 74 edições do Festival de Cannes – 28 anos atrás, Jane Campion dividiu o prêmio com

Adeus, Minha Concubina , de Chen Kaige, com seu O Piano. Logo no início da cerimônia, na noite de sábado, o presidente do júri se confundiu e anunciou a Palma de Ouro, antes de todos os outros prêmios. “Eu errei, fiz besteira. A primeira coisa que fiz questão foi de pedir desculpas para a equipe”, disse Spike Lee na coletiva de imprensa após a premiação. “Eles disseram que não tinha problema.” No seu discurso de agradecime­nto, Ducournau mencionou que a noite era perfeita por ser imperfeita.

Segundo a integrante do júri Jessica Hausner, Titane não foi premiado por ser de uma mulher. “Só depois de chegarmos à conclusão de que era o vencedor, falamos: e é de uma mulher, o que nos deixou felizes”, disse a roteirista e diretora sobre o júri que tinha maioria feminina.

A francesa não foi a única mulher premiada nesta edição. A Caméra D’Or, entregue ao melhor filme de estreante, foi para

Murina, da croata baseada em Nova York Antoneta Alamat Kusijanovi­c. A cineasta não recebeu o troféu das mãos da presidente do júri Mélanie Thierry por ter dado à luz seu primeiro filho anteontem.

Na competição de curtas, a Palma de Ouro foi para All the Crows in the World, da cineasta de Hong Kong Yi Tang, com menção especial para a brasileira Jasmin Tenucci e seu Céu de Agosto. “Foi mais emocionant­e do que imaginava ter duas mulheres premiadas”, disse Tenucci. Ao ser indagada sobre o futuro, a diretora comentou a situação difícil da cultura brasileira. “Todos os modelos de financiame­nto foram desmantela­dos, estamos numa situação difícil, temos um presidente que despreza tudo o que é humano. Acho que as coproduçõe­s vão ser nossa maneira de resistir – e nós vamos resistir.”

O prêmio principal da mostra Um Certo Olhar também foi para uma mulher, Kira Kovalenko, por Unclenchin­g the Fists. A cerimônia ocorreu na noite da sexta.

Voltando à competição principal, o júri presidido por Lee e formado pelo ator Tahar Rahim, pela atriz, roteirista e diretora Mélanie Laurent, pela atriz, roteirista e diretora Maggie Gyllenhaal, pela diretora e roteirista Jessica Hausner, pela diretora Mati Diop, pela atriz Mylène Farmer, pelo ator Song Kang Ho e pelo diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho entregou 9 prêmios, porque duas categorias foram divididas. A Hero, do iraniano Asghar Farhadi, e Compartmen­t N.º 6, do finlandês Juho Kuosmanen, levaram o Grande Prêmio do Júri, e Memoria, do tailandês Apichatpon­g Weerasetha­kul, e Ahed’s Knee, do israelense Nadav Lapid, ganharam o prêmio do júri.

Na coletiva, os integrante­s confessara­m que as decisões não foram unânimes. “Tivemos de trabalhar. Vimos 24 filmes e não há 24 prêmios. Conversamo­s, discutimos, mas ninguém brigou. Estou feliz com os prêmios que entregamos hoje”, disse Lee. Mendonça Filho elogiou o espírito democrátic­o do presidente do júri. No primeiro encontro, Spike Lee fez uma promessa. “Falei que não ia ser balela imperialis­ta americana, ia ser uma democracia verdadeira. Todos tiveram chance de falar, e todo mundo ouviu e respeitou a visão dos outros.” Lee destacou que havia muitos filmes de países em situações complicada­s. “Muitos filmes de países em que você diz a coisa errada, você vai preso ou algo além. Achamos que temos de apoiar.”

No fim, mesmo com todas as discordânc­ias, o júri parece ter premiado os filmes mais elogiados do festival. Os favoritos na tradiciona­l grade da revista Screen Internatio­nal foram todos premiados: Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi, com o troféu de roteiro,

Memoria, e Annette, de Leos Carax, vencedor do prêmio de direção. Os nove premiados sem dúvida são obras de estilos e temáticas completame­nte diversos, mas que só provam que o cinema está mais vivo do que nunca.

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JOHANNA GERON/REUTERS
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Sharon Stone ao lado da grande vencedora Julia Ducournau, que foi anunciada bem antes da hora por Spike Lee
VADIM GHIRDA/AP (E) Celebração e trapalhada. Sharon Stone ao lado da grande vencedora Julia Ducournau, que foi anunciada bem antes da hora por Spike Lee

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