SÃO PAULO REVELA TONS DO JAPÃO
Com a Olimpíada de Tóquio se aproximando, a cultura do país do sol nascente ganha destaque por aqui e pode ser apreciada de diversas maneiras na capital paulista: da culinária à música e ao esporte
A Olimpíada de Tóquio (23 de julho a 8 de agosto) vai fazer aquilo que o maior evento esportivo do mundo sempre faz: aguçar nossa vontade de mergulhar em uma cultura diferente.
Infelizmente, pegar um voo de mais de 27 horas (com ao menos uma parada obrigatória no meio do caminho) está fora de cogitação. Esta edição dos jogos olímpicos ocorre em meio à maior tragédia sanitária das nossas vidas e, majoritariamente, sem a presença de público.
A frustração só é menor porque quem mora em São Paulo já tem um “pezinho” em Tóquio. A influência japonesa está tão presente em nosso cotidiano que, às vezes, esquecemos o quanto de Japão já existe por aqui.
E é exatamente o amor pela cultura oriental e a expectativa pelo sucesso dos jogos olímpicos que unem as pessoas que vocês vão conhecer a seguir: a presidente da Associação Orquidófila de São Paulo, que foi a primeira a usar a língua portuguesa em reuniões do grupo; um dono de izakaya que já foi profissional de sumô; um mestre samurai que faz palestras para empresários; um cantor de karaokê que mistura Evidências com sucessos japoneses; um roteirista de quadrinhos influenciado pelos mangás; e um professor de taiko, a percussão típica do Japão.
Vamos começar pelo improvável encontro entre Evidências, clássico da música sertaneja, com Kanpai, uma das canções mais tocadas em casamentos no Japão. O responsável por levar essas duas pérolas para os palcos é o cantor de karaokê Joe Hirata, de 53 anos. Mas não é qualquer cantor de karaokê...
Hirata começou a cantar aos 8 anos por influência da irmã. Não demorou para que ele se transformasse em tricampeão brasileiro de músicas japonesas em karaokê.
Os sucessos nos palcos (de bares e restaurantes) alimentaram o sonho de cantar na NHK (TV pública japonesa). Em 1988, já no Japão, trabalhou como engenheiro mecânico e se uniu a outros brasileiros que amavam a cantoria das casas especializadas. “A tradição no Japão é do karaokê in box, as salas individuais em que as pessoas cantam sozinhas. No Brasil, a gente faz show, canta para os amigos e todo mundo vira artista”, disse.
Em 1994, Hirata chegou aos palcos da NHK, em um concurso de cantores amadores. Foram cerca de 80 mil candidatos disputando a grande final em Tóquio. “Fui o primeiro estrangeiro, em 50 anos, a vencer essa competição”, contou.
Entre idas e vindas ao Japão, Hirata viu sua carreira explodir. Já são 8 CDs lançados nos dois países. “Meu objetivo foi juntar as duas culturas. Comecei a focar em um repertório tradicional japonês e de música sertaneja. Já misturei música sertaneja com taiko”, contou Taiko?
O taiko nos leva ao nosso segundo personagem: Eduardo Massao Kusunoki, de 45 anos. Massao é professor de taiko, os tambores japoneses que estão ligados a uma tradição popular e religiosa. “Tocar taiko é uma forma de fortalecer nosso elo com o Japão. Vivo em um país maravilhoso em que podemos unir nossas culturas”, disse.
O taiko pode ser tocado com a mão ou com o uso de uma baqueta. O instrumento exige preparo físico para sustentar batidas homogêneas (e, principalmente, para aguentar o próprio peso do instrumento – que pode variar de tamanho). “Ninguém domina o taiko totalmente. Normalmente, levamos pelo menos um ano para começar a entendê-lo”, completou.
Massao contou que 80% dos seus alunos não são orientais. “Os brasileiros costumam ter uma disciplina que vem do fascínio e amor pela cultura japonesa. São pessoas que gostam da gastronomia japonesa, dos animes, dos mangás...”, enumera.
De fato, animes e mangás são grandes propagadores da cultura japonesa pelo mundo – influenciando não descendentes também no Brasil. Veja o caso do Marcelo Cassaro, de 50 anos, roteirista da Turma da Mônica Jovem e autor de Holy Avenger (um quadrinho brasileiro no estilo mangá). “Gostava de desenhar desde criança. Era fã de Ultraman, Spectreman e filmes de monstros japoneses”, revelou.
O primeiro emprego de Cassaro foi como assistente de animação dos Estúdios Mauricio de Sousa. Aos 19 anos, já na editora Abril, percebeu-se como um dos poucos roteiristas e desenhistas com intimidade com o universo de personagens como Jaspion e Changeman. “Eu era o mais jovem roteirista. O único que tinha essas referências do que era pop na época.”
Em 1999, foi um dos criadores de Holy Avenger. O quadrinho ficou entre os finalistas no 1.º Prêmio Internacional de Mangá, realizado no Japão. O prêmio foi criado pelo ex-primeiro-minis
tro do Japão, Tar As, que é grande fã de mangás. “Tenho um certificado, que recebi das mãos do ex-primeiro-ministro do Japão, dizendo que o quadrinho que eu faço é mangá”, disse.
Hoje, na Turma da Mônica Jovem, desenvolve a linguagem do mangá com os personagens crescidos de Mauricio de Sousa. “O mercado de mangás no País cresce até a medida que o nosso mercado editorial aguenta. No Brasil, ainda existe essa coisa que quadrinho é só para criança. No Japão, mangás são para todas as idades.”
Mas, se a cultura japonesa tem um mercado consolidado no País, ele é o gastronômico. Uma das vertentes mais tradicionais vem dos izakayas – que podem ser definidos como botecos japoneses que também servem comida.
Fernando Kuroda, 45 anos, proprietário do Izakaya Kinboshi, foi lutador profissional de sumô no Japão. A carreira na luta pavimentou seu caminho como cozinheiro no Brasil. “Muitos lutadores de sumô têm carreira gastronômica também. Primeiro, porque cozinhar é um privilégio entre lutadores (principalmente a chankonabe, uma sopa vegetal consistente, consumida em grandes quantidades para os lutadores ganharem peso). Depois, e principalmente, porque os lutadores de sumô são normalmente levados pelos seus patrocinadores a visitar restaurantes caros e famosos no Japão. Assim, nosso paladar acaba se desenvolvendo bastante”, contou.
Ao se aposentar do sumô, Kurodavoltouao Brasil e se transformou em um dos precursores dos izakayas. Ele viu o brasileiro se acostumar, aos poucos, com as iguarias que ele oferecia (e ainda oferece) em seu estabelecimento. “No início, as pessoas só queriam saber de sushi e sashimi. Quando eu falava de língua de boinabrasa,osclientesestranhavam.Agora,felizmente,jáseacostumaram com a ideia”, brinca.