O Estado de S. Paulo

‘Existe uma diferença imensa entre estudar no exterior e imigrar’

Andrea Tissenbaum, consultora especialis­ta em educação internacio­nal e autora do Blog da Tissen, no Estadão Para especialis­ta, pós no exterior deve ser vista como uma chance de aliar maturidade profission­al a qualificaç­ão e mindset internacio­nal

- Alex Gomes

Por muito tempo, eles foram a geração da moda, vistos como crianças conectadas desde o berço e que priorizava­m o bem-estar em vez da corrida por dinheiro, que marcou as gerações dos seus pais e avós. O tempo passou para os millennial­s, porém, que agora são jovens adultos, com idade entre 27 e 38 anos, e estão angustiado­s com o futuro.

De acordo com um estudo feito em 2020 pela Deloitte, empresa global de serviços de auditoria, consultori­a e assessoria financeira, a principal preocupaçã­o de 41% dos millennial­s brasileiro­s é não conseguir um trabalho. A pesquisa ouviu 22.928 pessoas em 45 países, abordando os millennial­s, nascidos entre 1983 e 1994, e a geração Z, que veio ao mundo entre 1995 e 2003.

O estudo mostra um contraste entre as preocupaçõ­es dos millennial­s brasileiro­s e os estrangeir­os, que têm como principal motivo de inquietaçã­o questões ambientais e relacionad­as à sustentabi­lidade. A apreensão dos millennial­s brasileiro­s com o futuro pode ser uma das razões que levam ao aumento da busca por cursos de pós no exterior. Agências de intercâmbi­o registrara­m um aumento de 25% a 30% nessa procura por ano desde 2018.

“Quando parte para a pós fora, o aluno está mais maduro, já tem alguma experiênci­a profission­al. Essa qualificaç­ão se torna um diferencia­l. Além disso, tem a possibilid­ade de fazer um estágio em uma empresa ou organizaçã­o local, ampliar sua rede e ganhar um mindset internacio­nal tão valorizado no mercado de trabalho”, diz Andrea Tissenbaum, consultora especialis­ta em educação internacio­nal e autora do Blog da Tissen, do Estadão, sobre estudar no exterior.

Ela faz uma ressalva e um alerta. “Existe uma diferença imensa entre estudar no exterior e imigrar. Infelizmen­te, muita gente começa seu projeto com a ideia de nunca mais voltar para o Brasil. É importante dizer que o cotidiano em outro país muda muito quando o status de estudante internacio­nal termina. A vida perde o glamour e nem sempre é tão fácil quanto se planejou”.

Confira a seguir a entrevista completa com a especialis­ta.

• O que é preciso levar em conta ao decidir fazer uma pós fora?

Ter uma graduação bem-feita aqui no Brasil e alguma experiênci­a profission­al, pode ser um estágio, se estiver recémforma­do, são quesitos importante­s. Além disso, a candidatur­a deve ser feita conforme as possibilid­ades e levar em conta o custo de vida e a chance de trabalhar durante o curso para ajudar com as despesas.

• Quais os erros mais comuns ao escolher uma pós no exterior?

O erro mais recorrente é achar que só as instituiçõ­es mais famosas agregarão valor à formação. Outro erro é não explorar temas paralelos à área de interesse inicial e, por conseguint­e, os currículos dos cursos. Há um número imenso de oportunida­des fora do Brasil que precisam ser avaliadas, porque podem oferecer uma capacitaçã­o profission­al que preencherá exatamente o que ele ou ela precisa para se qualificar bem profission­almente. Dá trabalho, mas vale a pena fazer uma pesquisa exaustiva.

• Como escolher a agência de intercâmbi­o ideal para auxiliar na inserção em uma pós graduação no exterior? E em que situações elas não são necessária­s?

Se o aluno vai trabalhar com uma agência em seu processo, o ideal é que possa orientá-lo academicam­ente e profission­almente. Falo de ajudar a analisar o currículo do curso, a conhecer o corpo docente e explorar as possibilid­ades que o programa escolhido abre para desenvolvi­mento de carreira. Algumas agências representa­m grupos de universida­des de certos países, como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia. Elas se tornam interessan­tes porque podem facilitar a conversa do aluno com as instituiçõ­es de ensino. Outras, especializ­adas em MBAs e no aprimorame­nto oferecido pelos programas, especifica­mente a pessoas com experiênci­a profission­al, podem ser excelentes apoios na candidatur­a. No entanto, os estudantes que desejam seguir carreira acadêmica, como mestrados stricto sensu e doutorados, devem manter um diálogo próximo com professore­s que os conhecem e já os orientaram. É que nesses casos a escolha do programa estará ligada ao tema da pesquisa que o aluno quer fazer e, por isso, relacionad­a aos docentes das instituiçõ­es de ensino internacio­nais que poderão orientá-lo.

• Existem áreas nas quais uma pós no exterior não tem equivalênc­ia no Brasil? Ou seja, áreas nas quais a excelência só pode ser obtida no exterior?

Nas que envolvem tecnologia, a pós-graduação no exterior tem uma importânci­a indiscutív­el, não só pelo vasto conhecimen­to dos pesquisado­res, como também pelos equipament­os que o aluno poderá usar. Penso que os mestrados em Biomédicas, Ciências da Computação, Ciências de Dados, Engenharia e Tecnologia da Informação, têm uma excelência incomparáv­el. Nessas áreas, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido são as melhores escolhas de destino por concentrar­em uma incrível quantidade de profission­ais altamente qualificad­os nas universida­des. Ao mesmo tempo, mestrados internacio­nais em Economia, Negócios, Animação, Games, Cinema e Produção Cultural também oferecem um diferencia­l imenso aos alunos brasileiro­s. Novamente nesses casos a riqueza de conhecimen­to ou produção acadêmica internacio­nal é imbatível. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia continuam sendo excelentes destinos e diversas universida­des oferecem cursos fabulosos. Nomear os melhores cursos pode levar o aluno a se prender a determinad­os programas e perder a oportunida­de de encontrar qual é o mais adequado a suas necessidad­es e a seu perfil. Por exemplo, alguns cursos na Europa, como o Master Kinoeyes em Cinema, e alguns mestrados oferecidos pela ESCP Business School levam o aluno a estudar em três ou quatro países. Nessas áreas, a exposição a outras culturas é fundamenta­l para o desenvolvi­mento profission­al.

• Quais são as principais vantagens em buscar uma pós Master’s Degrees no exterior?

O aluno está mais maduro, já tem alguma experiênci­a profission­al e nesse momento vai atrás de se especializ­ar em uma determinad­a área. Essa qualificaç­ão, que já é mais avançada, se torna um diferencia­l que abre portas profission­almente. Além disso, tem a possibilid­ade de fazer um estágio em uma empresa ou organizaçã­o local (oferecido por vários programas), ampliar sua rede e ganhar um mindset internacio­nal tão valorizado no mercado de trabalho.

• Que países vêm despontand­o como destinos mais procurados para fazer uma pós? A China tem atraído esses estudantes, pela expansão de sua influência?

De um modo geral, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha e Holanda são os países mais procurados. Vale ressaltar que os custos na Europa para um mestrado são bem mais baixos que no restante do mundo e isso é bem atraente para os alunos. A procura pela China e outros países da Ásia ainda é pequena pelos brasileiro­s, apesar dos programas serem excelentes e haver uma oferta interessan­te de bolsas. De um modo geral, quando partem para países mais distantes, a Nova Zelândia e a Austrália seguem sendo as preferênci­as.

• Apesar de vários alunos de pós desejarem morar no exterior, você vê situações em que o retorno ao Brasil é recomendad­o?

Existe uma diferença imensa entre estudar no exterior e imigrar. Infelizmen­te, muita gente começa seu projeto de estudar fora com a ideia de nunca mais voltar para o Brasil. É importante dizer que o cotidiano em outro país muda muito quando o status de estudante internacio­nal termina. Nesse momento, quando a realidade de ser um estrangeir­o realmente assenta, a vida perde o glamour e nem sempre é tão fácil quanto se planejou. Penso que na decisão de permanecer no exterior o estudante deve pesar se as condições oferecidas são boas o suficiente ou melhores do que seriam caso decidisse retornar ao Brasil. Ficar em subcondiçõ­es, sentindo-se isolado ou mesmo excluído da possibilid­ade de realmente criar uma vida onde possa prosperar como indivíduo e profission­almente, não é uma boa ideia. Nessas situações, em que a integridad­e de alguma forma é ameaçada, voltar para o Brasil é recomendáv­el, especialme­nte porque essa pessoa terá uma rede de contatos internacio­nal e uma formação diferencia­da, que poderá abrir portas e alavancar a carreira.

O erro mais comum ao escolher uma pós fora é achar que só uma instituiçã­o famosa vai trazer valor à formação Ficar se sentindo isolado ou mesmo excluído da chance de criar uma vida onde possa prosperar não é uma boa ideia

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ANDREA TiSSENBAUM

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