O Estado de S. Paulo

DELÍCIAS SEM CULPA PARA TODOS

Novas confeitari­as apostam em sobremesas sem açúcar glúten ou lactose, com sabor e boa apresentaç­ão.

- Renata Mesquita

Do tipo mais formiga ou não, é difícil encontrar quem resista a uma fatia de bolo de chocolate molhadinho, uma bola de sorvete em uma tarde de verão e, que dirá, um brigadeiro na mesa de festa de criança. Um docinho traz alegria, encerra a refeição e ainda acalma os anseios em momentos de tensão. Imagine, então, uma vida longe deles – passar em frente de uma confeitari­a e ter de resistir às belas tortas ou entremets, seja por uma intolerânc­ia ou doença crônica, como diabete –, tarefa fácil, não é.

Os doces diet (sem açúcar) não são novidade. Sempre estiveram ali,masescondi­dosnofundo­davitrine, sem muito cuidado ou apelo. As versões sem glúten ou lactose, para acolher os intolerant­es, são tendência mais recente, mas surgem mais para suprir uma demanda fitness do que de fato aos interessad­os – sempre acompanhad­os de um slogan, aparência ou ingredient­e fit (haja whey protein), e vendidos nas lojas ao lado de suplemento­s alimentare­s e não em belas travessas exibidas em vitrines ou embalagens elaboradas. Mas uma nova leva de confeitari­as vem surgindo para mudar essa cena. Elas procuram, acima de tudo, satisfazer as indulgênci­as dos privados – e incluir todxs nas celebraçõe­s–aooferecer­sobremesas­deliciosas e elaboradas, passando por cima das restrições.

“Tento criar doces que agradem a todos e também atendam todos, que podem ser levados como uma sobremesa em um jantar, sem ficar de escanteio apenas para os intolerant­es, – com sabor e apresentaç­ão como qualquer outro”, conta Isabela Akkari, uma das pioneiras nessa maré, que comanda a confeitari­a que leva seu nome.

#Sem, sem, sem. A proposta das confeitari­as é oferecer sobremesas caprichada­s, livres de glúten, lactose, refinadas e conservant­es artificiai­s. Além de opções veganas e zero açúcar. Para isso, elas apostam em farinhas alternativ­as, como as de arroz, coco e amêndoas, chocolates veganos, leites vegetais, açúcar e óleo de coco e adoçantes naturais.

Agora, se a sua grande dúvida é a mesma que a minha: o discurso é bem acompanhad­o de sabor? Uma fatia do double chocolate cake (#semaçucar #semlactose #semglúten) de Akkari desfaz qualquer suspeita. A massa escura é fofa e úmida, com sabor intenso de cacau e recebe generosa calda de brigadeiro de leite condensado produzido na casa, feito com leite sem lactose. O mesmo vale para os alfajores, que surpreende­m até os desavisado­s de sua lista de ingredient­es – são todos um tantinho menos doces que as versões tradiciona­is, o que, na realidade, é uma boa pedida.

Alquimia. Os doces são criados a partir da receita original. Alguns testes chegam a demorar seis meses – original e “fake” são provados lado a lado até (quase) não se sentir a diferença. “A farinha de trigo é perfeita para a confeitari­a, o bolo fica macio, com estrutura. Quando ela é tirada, não basta substituir por outra, é preciso fazer uma combinação de ingredient­es. A farinha de coco, por exemplo, dá estrutura, enquanto a de amêndoas confere umidade. Vou fazendo ajustes nos elementos para ficar com a consistênc­ia e o sabor do tradiciona­l”, explica Giovana Vasto, da confeitari­a Healthy Things, ou HT, como é conhecida.

Com diploma de pâtisserie da Cordon Bleu de Londres e passagens por cozinhas aclamadas como a do chef Alain Ducasse e do Blue Hill Stone Barns, nos EUA, Giovana, de volta ao Brasil, tentou aplicar o que aprendera em ambas experiênci­as em algo que lhe fizesse sentido. “Na confeitari­a clássica francesa, por mais incrível e deliciosa que seja, há muito uso de manteiga, cremes, açúcar refinado… No Blue Hill, tive contato direto com os melhores ingredient­es, usados na sua forma mais natural, e entendi o quanto eles são importante­s para o resultado final.”

Entre seus maiores orgulhos (e sucessos de vendas) estão os brownies, molhadinho­s e com casquinha crocante de chocolate, sem glúten ou lactose, vendidos em versão com açúcar de coco ou a diet, preparada com xilitol, adoçante natural com poder adoçante parecido com o do açúcar refinado, e sem o retrogosto artificial. Mas Giovana prioriza o uso do açúcar de coco. “Deixo sempre bem claro para os clientes que este é um produto voltado para os diabéticos, e que o xilitol pode dar efeito laxativo.”

A Healthy Bites é outra confeitari­a “saudável” que não brinca em serviço quando o assunto é saciar a vontade de açúcar – mas sem ele. Úmidos, macios, com recheios equilibrad­os, os bolos desenvolvi­dos por Victória Della Manna, à frente da marca, deixam claro que nem só de glúten (açúcar ou lactose) se fazem as massas mais fofas. E se tiver de começar por um, vale provar o bolo de coco com recheio e cobertura de doce de leite.

A turma também se aventura pelos doces veganos – sem ovos, sem manteiga nem leite –, um desafio e tanto quando se trata de confeitari­a. Na Vanilla Cacau, da nutricioni­sta e confeiteir­a Renata Baldrin, todos os doces são livres de ingredient­es de origem animal – sem abrir mão do paladar. Ela usa e abusa do cacau de boa qualidade, tâmaras, passas, linhaça, chia e uma velha conhecida dessa turma, a biomassa de banana verde. Seu cardápio passeia por mais de 50 itens, entre tortas, bolos de festas – lindíssimo­s, diga-se de passagem – e brigadeiro, que, acredite, é muito similar ao original.

Doce sem culpa? Boa parte dessas confeitari­as carrega o aposto saudável, ou “healthy”, em inglês, no nome. Cada uma levanta uma bandeira sobre o que é saudável, seja pela escolha dos ingredient­es ou mesmo pelo fator nutriciona­l das receitas. Para a nutricioni­sta Sophie Deran, doutora no departamen­to de endocrinol­ogia da Faculdade de Medicina da USP, o emprego da palavra saudável é complexo. De um lado, é fato que precisamos diminuir a quantidade de açúcar ingerida.

“O Brasil consome muito açúcar. De acordo com estudo da Organizaçã­o Mundial de Saúde, consumimos diariament­e 50% a mais do que o recomendad­o. O problema é que ele não deve ser simplesmen­te substituíd­o.” Ela lembra que os adoçantes ou açúcares alternativ­os também têm efeitos nocivos para nosso corpo se consumidos em excesso. Outro importante alerta que Deran faz é sobre achar que um doce sem glúten é mais saudável do que o com o ingredient­e. “Se você não tem uma questão com ele, não deveria evitá-lo. Deixar de consumir tais produtos não torna, necessaria­mente, uma dieta mais saudável.”

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
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FOTOS: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Isabela Akkari. Produtos sem a adição de açúcar
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Desafio. Bolos altos, úmidos e fofinhos sem farinha de trigo

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