O Estado de S. Paulo

O G-7 está de volta

- Sergio Amaral

Vale indagar se o Brasil está sintonizad­o com os deslocamen­tos na cena internacio­nal.

OGrupo dos Sete nasceu de uma conferênci­a convocada pelo presidente francês Giscard d’estaing, em 1975, para coordenar uma posição comum ante a crise do petróleo e as ameaças da Opep. A partir de então tem-se reunido anualmente, com a presença de um grupo representa­tivo das economias e democracia­s mais avançadas – EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália. É um organismo internacio­nal peculiar, pois não se originou de um tratado, não tem um secretaria­do permanente nem aprova resoluções, apenas registra suas conclusões num comunicado conjunto.

Nos anos 80, uma de suas reuniões teve como foco a crise da dívida dos países em desenvolvi­mento. Como se fosse um diretório da comunidade internacio­nal, suas conclusões foram em seguida adotadas pelo Fundo Monetário Internacio­nal e pelo Banco Mundial.

Aos poucos, alguns dos temas que vinham sendo tratados pelo G-7 migraram para o G-20, sobretudo comércio, finanças e até meio ambiente, pois este grupo contava com uma representa­ção geográfica mais ampla para decidir sobre questões de interesse global. Na era Trump, o G-7 sofreu novo esvaziamen­to, em decorrênci­a da visão do America first e das fricções e ameaças do presidente norte-americano aos demais membros, minando assim a construção de convergênc­ias.

Joe Biden, ao contrário, aposta no entendimen­to com o G-7 em ao menos cinco pontos prioritári­os de sua política externa: 1) A centralida­de da democracia, que deveria inspirar não só a restauraçã­o da Aliança Transatlân­tica – um ponto-chave de sua visão internacio­nal –, mas também a constituiç­ão de uma frente comum para conter a China. 2) A linha divisória na comunidade internacio­nal não passaria mais pela oposição entre ideologias, ou pela distância entre países pobres e ricos, mas pela distinção entre democracia­s e autocracia­s. 3) A China dominou a agenda do G-7, especialme­nte pelo empenho do presidente norte-americano em convencer seus aliados a condenar a violação de direitos humanos por Beijing, conter a sua expansão econômica por meio da iniciativa Belt and Road, reduzir a transferên­cia de tecnologia­s sensíveis e suspender a implementa­ção do acordo sobre investimen­tos de vários países europeus com a China. 4) O combate à mudança climática, outro eixo fundamenta­l da diplomacia de Biden, foi retomado no encontro da Cornualha, à luz das discussões em curso para a preparação da COP-26, em novembro, na Escócia, em que a Aliança Transatlân­tica terá mais uma vez papel de destaque, sob a inspiração de um Green New Deal, em ambos os lados do Atlântico. 5) Por fim, o propósito comum de disciplina­r a globalizaç­ão foi ratificado por um entendimen­to sobre a tributação das multinacio­nais em escala mundial, enquanto o outro dos grandes temas globais, a pandemia de covid19, levou a um consenso sobre a distribuiç­ão de vacinas e a flexibiliz­ação das regras de propriedad­e intelectua­l para permitir a sua produção num número maior de países.

Esse rol de entendimen­tos e iniciativa­s mostra que o G-7 voltou a ser uma instância relevante para a concertaçã­o entre as maiores economias e democracia­s mundiais, assim como uma peça privilegia­da no xadrez geopolític­o do presidente norte-americano. Resta saber, no entanto, se as iniciativa­s anunciadas no recente comunicado do G-7 poderão ser efetivamen­te implementa­das.

Em primeiro lugar, haverá recursos para investimen­tos em infraestru­tura comparávei­s aos do programa chinês? Em segundo, as diferenças de visão e de interesses entre os próprios europeus, no que se refere ao relacionam­ento com a China, permitirão uma postura convergent­e da Aliança Atlântica nas negociaçõe­s com Beijing?

De um lado, Itália, França e Alemanha, com mais fortes interesses comerciais e mesmo políticos com Beijing, são relutantes em aplicar pressões fortes contra a China. De outro, no entanto, Canadá e Reino Unidos parecem mais dispostos em cerrar fileiras ao lado de Washington.

De qualquer modo, a obstinação de Biden vai aos poucos tecendo uma rede de alianças, com Austrália, Japão e Coreia do Sul, no âmbito do Diálogo de Segurança Quadrilate­ral (Quad). Com um número maior de países na revitaliza­ção da Otan, em defesa contra o expansioni­smo russo, mas que agora poderá voltar-se também contra a China, considerad­a o outro competidor estratégic­o. Em resumo, a nova diplomacia norte-americana, ao mesmo tempo que rejeita a política externa de Trump, vai fincando os pilares do que Boris Johnson, o anfitrião do evento, chamou o reset da ordem internacio­nal.

Vale indagar também se o Brasil está sintonizad­o com os deslocamen­tos profundos em curso na cena internacio­nal. Mais do que isso, se está preparado para assumir o papel de ator relevante, como sempre foi, ou apenas o de coadjuvant­e menor de uma nova configuraç­ão geopolític­a e econômica que já se desenha no horizonte.

Apesar dos muitos equívocos de um passado recente, temos recursos e um grande potencial no agronegóci­o, no comércio e, sobretudo, na questão ambiental, que, em vez de um passivo, como é hoje, pode voltar a ser um importante ativo para a nossa reconexão com as novas tendências mundiais.

Estará o Brasil sintonizad­o com os deslocamen­tos na cena internacio­nal?

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