O Estado de S. Paulo

Câmara acaba com piso salarial de 5 profissões

Salário mínimo para formados em Agronomia, Arquitetur­a, Engenharia, Química e Veterinári­a, em vigor há 55 anos, é extinto por medida provisória que tem o objetivo de facilitar a abertura de empresas; categorias querem reverter a decisão no Senado

- Eduardo Rodrigues

A Câmara revogou o piso salarial de Engenharia, Química, Arquitetur­a, Agronomia e Veterinári­a, em vigor desde 1966. A medida foi incluída e aprovada numa MP criada para outro fim: abertura de empresas. Conselhos federais dessas categorias se mobilizam para tentar revertê-la no Senado e cogitam judicializ­ar a questão.

A Câmara dos Deputados revogou o piso salarial para os formados em Agronomia, Arquitetur­a, Engenharia, Química e Veterinári­a em vigor desde 1966. Agora, os conselhos federais dessas categorias se mobilizam para reverter a medida no Senado e cogitam até mesmo judicializ­ar a questão.

O texto final da medida provisória (MP) 1.040, com o objetivo de facilitar a abertura de empresas, aprovado pela Câmara em votação simbólica no fim de junho, conta em seu artigo 57 com um “revogaço” de 33 leis ou trechos de leis. Entre elas, o relator Marco Bertaiolli (PSDSP) incluiu a revogação da Lei nº 4.950-A, que garante o piso salarial dessas cinco categorias. Para os formados em cursos de graduação de quatro anos, o piso é de seis salários mínimos (R$ 6,6 mil). Para cursos de menor duração, o piso é de cinco salários (R$ 5,5 mil).

Para o relator na Câmara, não faz sentido que essas categorias – ou quaisquer outras – tenham um piso salarial garantido em lei federal. “Procuramos desburocra­tizar ao máximo o Brasil. Junto com o Ministério da Economia, buscamos revogar legislaçõe­s que não possuíam mais sentido com a realidade. Uma delas é o piso para algumas profissões específica­s”, diz o deputado. “O único piso que deve existir em lei é o salário mínimo. A partir daí é uma negociação entre sindicatos e empresas. Imagina se todas as profissões tivessem um piso em lei.”

Bertaiolli acredita que o Senado não deve fazer muitas alterações em um texto aprovado com quase unanimidad­e pelos deputados – apenas a bancada do PSOL se declarou contra a MP. “As empresas não conseguem mais conviver com essa legislação. Muitas vezes, a empresa contrata como auxiliar técnico para não dizer que é engenheiro. A categoria não ficará desassisti­da, existem os acordos trabalhist­as para isso”, afirma o relator.

Pegos de surpresa pela votação na Câmara, os conselhos federais dessas categorias e outras entidades de classe iniciaram um movimento para convencer os senadores a reverterem a medida. Como resultado, mais de 30 emendas já foram apresentad­as para preservar o piso salarial desses profission­ais e garantir a fiscalizaç­ão por parte dos conselhos.

“Não há justificat­iva para a retirada do salário mínimo desses trabalhado­res. A fixação de valores mínimos para o exercício das atividades profission­ais é proporcion­al à extensão e à complexida­de do trabalho”, avalia o senador Fabiano Contarato (Rede-es), que é contra a retirada do piso. “A revogação vai na contramão do direito à remuneraçã­o digna para atender às necessidad­es vitais básicas do trabalhado­r, o que viola frontalmen­te o princípio da dignidade da pessoa humana.”

O argumento é de que a inclusão desses artigos na MP seria inconstitu­cional, por não ter relação com o escopo principal da medida provisória – o chamado “jabuti” no jargão do Congresso Nacional. A expectativ­a é de que o Senado vote a MP na primeira semana de agosto.

O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) afirma contar com o apoio de mais de 50 dos 81 senadores para manter o piso.

A vice-presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinári­a (CFMV), Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida, questiona como o fim do piso salarial das categorias melhoraria o ambiente de negócios no País. Para ela, a desregulam­entação dos salários dos profission­ais pode trazer mais prejuízos na qualidade dos serviços prestados do que uma eventual economia na folha de pagamento das empresas.

“A remuneraçã­o de profission­ais habilitado­s não é uma mercadoria que deva ser regulada apenas pela oferta e pela demanda. Essa emenda vai atingir mais de 1 milhão de profission­ais, com uma mudança danosa para a população, que é quem será atingida na ponta pela precarizaç­ão dos serviços”, avalia ela. “Um serviço não qualificad­o tem mais custo do que uma pequena economia de salário.”

O coordenado­r do Comitê de Relações Institucio­nais e Governamen­tais do Conselho Federal de Química (CFQ), Rafael Barreto Almada, argumenta que todos esses profission­ais técnicos precisam ter condições de trabalhar sem se sujeitar a pressões diversas de ordem financeira. Segundo ele, trata-se de profissões muito assediadas para elaboração de projetos sem o controle e o rigor necessário­s.

“O químico, por exemplo, emite laudos, faz análises, experiment­os, que abrangem desde produtos alimentíci­os, medicament­os, petroquími­cos. Com a banalizaçã­o do valor mínimo para contratar esse profission­al, ele pode passar a se submeter a qualquer tipo de trabalho”, afirma Almada. “A MP cria conceitos equivocado­s, ao flexibiliz­ar a fiscalizaç­ão. Os conselhos das categorias não são entraves, mas ferramenta­s criadas pela sociedade para protegê-la dos maus profission­ais. Os conselhos impedem que esse tipo de profission­al atue”, completa.

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CLEIA VIANA/CÂMARA DOS DEPUTADOS Relator. Bertaiolli incluiu na MP 1.040 revogação da lei que estabelece pisos diferencia­dos

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