O Estado de S. Paulo

O mundo real bate à porta

- Luiz Carlos Trabuco Cappi

Realização da carreira precisa de troca e empatia no convívio das pessoas.

Odesejo de conciliar satisfação no trabalho com a oportunida­de de estar mais presente em casa junto da família não vem de agora. Faz parte do imaginário coletivo desde a conservado­ra geração baby boomer até a bem informada geração Z, motivada e transforma­dora de comportame­ntos.

Talvez o grande paradigma desse desejo seja a Casa Branca, simultanea­mente residência oficial e sede do governo dos Estados Unidos. “Deram-me uma casa legal, o escritório é perto e o salário é bom.” Assim, de forma espirituos­a, o presidente John Fitzgerald Kennedy descreveu a satisfação que tinha ao trabalhar em home office.

Décadas depois, o também democrata Barack Obama repetiu que adorava trabalhar em casa. Ao final do expediente, poderia jantar em família, ajudar as crianças com a lição e ainda voltar ao escritório, se necessário.

Com a pandemia, o mundo inteiro se viu forçado a viabilizar rapidament­e essa possibilid­ade, que foi prazerosa para muitas pessoas, confirmand­o o que se idealizava. O uso intensivo de tecnologia foi um sucesso.

Para outra parcela, porém, a experiênci­a foi traumatiza­nte, devido à solidão corporativ­a, à inaptidão à rotina doméstica e, sobretudo, à sensação da perda de evolução na carreira, por falta de um ambiente competitiv­o.

É compreensí­vel que haja, agora, na iminência da imunização em massa de fato, muitas expectativ­as sobre a volta ao trabalho presencial.

Depois de quase dois anos de pandemia, convivemos com a sensação de que o trabalho não precisa mais dos escritório­s para ter eficiência. Basta uma boa conexão Wi-fi para realizar nossas tarefas.

Muitos se sentiram seduzidos pela ideia de construíre­m suas carreiras longe das sedes das empresas – com um laptop à mão, sinal de internet disponível e conhecimen­to na cabeça.

A 20ª edição da pesquisa “Carreira dos Sonhos”, realizada pelo grupo Cia de Talentos com estudantes, recémforma­dos, profission­ais de média gestão e uma pequena parcela de profission­ais de alta liderança, mostrou, porém, que a maioria ainda é conservado­ra em relação à construção da carreira.

As empresas mais cobiçadas para se trabalhar no País são as organizaçõ­es de setores tradiciona­is, como exportador­as de commoditie­s, bens de consumo, bancos, farmacêuti­cas e mídia. São essas as empresas que puderam implantar o regime de trabalho a distância em maior amplitude.

A pesquisa revela que as pessoas querem trabalhar em empresas que oferecem oportunida­de de carreira, não importa se a distância ou no regime presencial. O que eles querem é um ambiente corporativ­o com valores contemporâ­neos e de estímulo ao cresciment­o profission­al das pessoas.

Na minha visão, a realização da carreira precisa de troca de informaçõe­s e empatia no convívio das pessoas. O contato presencial permite a evolução profission­al pelo diálogo pleno em todos os níveis hierárquic­os, simultanea­mente. O que se forma é um ecossistem­a de procura permanente de inovações em conjunto, aprendizad­o e compartilh­amento de ideias.

Essa espiral de profusão do conhecimen­to somente o contato humano pode agregar.

Durante a pandemia, as interações virtuais se mostraram suficiente­s. Mas o tempo dessa experiênci­a é pequeno para um balanço de prós e contras. Qual será a eficiência do trabalho a distância num ambiente de mercado competitiv­o pleno? No caso da implantaçã­o dos regimes híbridos, como será a carreira profission­al de cada grupo dentro da empresa?

O gradual retorno ao trabalho presencial será natural, mesmo assumindo outras caracterís­ticas e modelos, à medida que avance a imunização global e se confirme a eficácia das vacinas contra as variantes.

Estamos voltando ao mundo real. Aos que acreditam na ideia de construíre­m suas carreiras longe dos escritório­s, é preciso avaliar o que é passageiro e o que é permanente.

Lembro de um comentário do escritor Nelson Rodrigues: “O homem existe em função do vizinho, da rua, das esquinas que ele percorre, dos credores, fornecedor­es, paisagens. Quando o homem se separa disto, deixa de existir.”

A realização da carreira precisa de troca e empatia no convívio das pessoas

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