O Estado de S. Paulo

O G-20 ante as crises globais

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OG-20, formado pelas principais potências mundiais e países de todos os continente­s, responde por 63% da população do planeta e 87% de sua receita. Em certa medida, é o que a humanidade encontrou de mais próximo a um governo mundial. Em uma emergência planetária, esperava-se que o encontro de suas autoridade­s financeira­s no último dia 9 se traduzisse em progressos significat­ivos para os desafios globais do momento: vencer o vírus, alavancar a recuperaçã­o econômica e conter as mudanças climáticas. O progresso houve, mas foi insuficien­te, especialme­nte em um aspecto crucial: a restauraçã­o da confiança e da cooperação entre os países ricos e pobres.

O avanço mais significat­ivo foi a ratificaçã­o de um piso global para a tributação das multinacio­nais. O quadro vinha sendo articulado há uma década pela OCDE e foi ratificado pelo G-7 em junho, mas havia dúvidas sobre a participaç­ão de potências como China e Índia. O acordo corrigirá disfunções e anacronism­os do sistema internacio­nal – particular­mente acentuados com a expansão dos negócios digitais –, permitindo mais controle da sonegação, da evasão fiscal e da operação dos paraísos fiscais.

Também significat­ivo foi o apoio a uma nova alocação de Direitos Especiais de Saque, o instrument­o monetário criado pelo FMI para completar as reservas dos países. O valor de US$ 650 bilhões é o maior na história do FMI. Se bem distribuíd­o aos países pobres – e não de acordo com o peso econômico de cada país, como de hábito –, ele pode ser realmente “uma injeção no braço do mundo”, como disse a diretora do FMI, Kristalina Georgieva.

Georgieva também elogiou o reconhecim­ento por parte do G-20 da necessidad­e de aprimorar a capacidade global de reação a ameaças sanitárias e de regular o mercado de carbono para conter as mudanças climáticas. Mas aqui os resultados foram mais voláteis.

O surpreende­nte sucesso da comunidade científica no desenvolvi­mento das vacinas garantirá uma recuperaçã­o mais rápida do que a prevista. O FMI estima um cresciment­o global de 6% em 2021. Contudo, “a divergênci­a entre as economias está se intensific­ando”, notou Georgieva. “O mundo está diante de uma recuperaçã­o em duas vias”, mais rápida para os ricos, bem menos para os pobres.

Por isso, o fato de o Grupo não ter engendrado um mecanismo para acelerar a imunização global é não apenas frustrante, mas contraprod­ucente. Nas condições atuais, as crianças dos países ricos serão vacinadas antes da maioria dos adultos do mundo. A motivação para isso é emocional. Racionalme­nte – do ponto de vista epidemioló­gico e econômico

– é injustific­ável. A suscetibil­idade das crianças a contrair e transmitir o vírus, ou a desenvolve­r a doença, é comprovada­mente irrisória. Mas uma pandemia é por definição uma ameaça global e, enquanto não for globalment­e erradicado, o vírus continuará a se espalhar e se alterar nos grotões mais pobres, sacrifican­do vidas e empregos, com o risco de retornar aos países ricos em variantes resistente­s às vacinas.

Até junho, o programa da OMS para distribuiç­ão de tratamento­s e vacinas registrava uma carência de US$ 16,8 bilhões. O FMI estima que a vacinação dos adultos do mundo custaria US$ 50 bilhões. Isso é um milésimo da receita anual dos países ricos e 0,1% dos gastos públicos com a covid-19. Se até meados de 2022 60% da população de cada país fosse vacinada, isso geraria um retorno de US$ 9 trilhões até 2025 – além de salvar meio milhão de vidas em 2021.

Se o grupo falhou em acelerar a saída de uma emergência aguda e palpável, como a pandemia, ainda menos promissora é a perspectiv­a para a emergência crônica e difusa das mudanças climáticas. A precificaç­ão do carbono segue em suspensão e não se avançou na promessa de mais de uma década de fornecer US$ 100 bilhões para financiar as transições climáticas nos países pobres.

Se compromiss­os mais sólidos não forem conquistad­os num futuro próximo, a “divergênci­a” entre ricos e pobres advertida por Georgieva se intensific­ará – mas o seu impacto será sentido por todos.

Sem compromiss­os mais sólidos, ‘divergênci­a’ entre ricos e pobres se intensific­ará

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