O Estado de S. Paulo

Octavio Amorim Neto

‘PEC Pazuello ajuda Forças a escapar do abraço bolsonaris­ta’.

- Wilson Tosta / RIO

As Forças Armadas não têm condições de escapar, sozinhas, do bolsonaris­mo, na avaliação do cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas. A “PEC Pazuello”, que limita a presença de militares em cargos civis, pode ser uma forma de a elite civil ajudá-las a fazê-lo, disse ele ao Estadão. O pesquisado­r também vê na proposta da deputada Perpétua Almeida (PCDOB-AC) a oportunida­de para o Congresso reafirmar suas prerrogati­vas em relação à defesa nacional. Para ele, há um “emaranhame­nto” entre o governo Jair Bolsonaro e os quartéis. Chama esse processo de “redemoinho”, difícil de ser rompido “de dentro”.

“Acho que a maioria dos oficiais de quatro-estrelas das Forças apoiará a aprovação da PEC e com enorme sensação de alívio”, afirmou Amorim Neto. Mas, segundo ele, embora o Alto Comando não goste da presença de militares em cargos civis, a maioria dos militares da ativa a apoia. Hoje, há mais de 6 mil militares em cargos da administra­ção federal, além de generais no comando de ministério­s paisanos. “A ampla participaç­ão de militares na política é péssima para quaisquer Forças Armadas.”

• Como avalia a ‘PEC Pazuello’? É a grande oportunida­de para o Congresso, depois de longo silêncio, reafirmar suas prerrogati­vas relativas à defesa nacional e às Forças Armadas. De maneira intimament­e associada a essa reafirmaçã­o, a PEC é a grande chance para que se restabeleç­a o controle civil sobre os militares perdido desde a chegada de Bolsonaro ao poder. Trata-se também de meio pelo qual a elite política civil pode ajudar as Forças a saírem do redemoinho bolsonaris­ta, coisa que, sozinhas, não têm mais condições de fazer, dado o emaranhame­nto entre elas e o governo do ex-capitão.

• É possível prever a repercussã­o, entre os militares, da PEC? Acho que a maioria dos oficiais de quatro-estrelas das Forças apoiará, de forma discreta, a aprovação da PEC e com enorme sensação de alívio. Uso o termo alívio porque as Forças Armadas institucio­nais não têm mais condições de, autonomame­nte, escaparem do abraço bolsonaris­ta.

• A participaç­ão dos militares da ativa em cargos civis tem apoio consensual ou pelo menos majoritári­o nas Forças Armadas? Não tenho evidências sólidas para dar-lhe uma resposta peremptóri­a. A impressão que tenho é a de que a maioria dos militares, ao contrário do Alto Comando das Forças, apoia a participaç­ão de colegas da ativa em cargos civis.

• Quais são as consequênc­ias internas, para as Forças, desse tipo de participaç­ão?

As principais são duas. Em primeiro, as Forças Armadas deixam de se dedicar exclusivam­ente à sua função precípua, a defesa nacional, para se dedicar a atividades que não têm nada a ver com a profissão das armas. A preparação para a defesa nacional, sobretudo para a guerra interestat­al, é exigente, demandando estudo e treino intensos e frequentes. Quando milhares de oficiais começam a se dedicar a funções civis, há uma perda de eficácia da defesa nacional por conta da depauperaç­ão do capital humano contido no oficialato. Em segundo, cadetes e jovens oficiais começam a ter uma visão distorcida do futuro da profissão, uma vez que passam a aspirar chefiar ou o gabinete civil da Presidênci­a da República ou o Ministério de Minas Energia, em vez de aspirar serem excelentes generais, almirantes e brigadeiro­s especializ­ados na arte e ciência da guerra. A ampla participaç­ão de militares na política é péssima para quaisquer Forças Armadas que queiram estar prontas para suas missões principais – a defesa nacional e a guerra. E, assim (com militares envolvidos na política), o pretoriani­smo e a fraqueza militar, irmãos siameses, vão se perpetuand­o em nosso país.

• Como é a participaç­ão de militares da ativa em cargos civis em outros países?

Nos EUA e em quase todos os países latino-americanos, há limitações ou proibições ao exercício de cargos civis por militares. Brasil e Venezuela são as exceções. Estamos em perigosa companhia.

• Um novo governo, civil e não bolsonaris­ta, terá dificuldad­es para devolver aos quartéis militares que ocupam cargos civis? Muito vai depender do capital político gerado na campanha de 2022. Candidatos não bolsonaris­tas têm que prometer, explicitam­ente, ao eleitorado que os militares não ocuparão cargos civis. Aliás, deveriam começar a fazê-lo agora, apoiando enfaticame­nte a PEC Pazuello. Se um novo presidente não bolsonaris­ta gerar tal capital, a tarefa de remover militares de postos civis será amplamente facilitada.

• Seriam necessária­s outras mudanças na legislação para evitar militares em áreas civis e, sobretudo, na política?

Sim. Há também que se adotar a proposta do historiado­r José Murilo de Carvalho e reformar o artigo 142 da Constituiç­ão. Trata-se de eliminar cinco palavras – “à garantia dos poderes constituci­onais” – deste artigo, em que se lê que as Forças “são instituiçõ­es nacionais permanente­s e regulares, organizada­s com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constituci­onais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. A eliminação das cinco palavras acabaria com divergênci­as sobre a interpreta­ção do papel constituci­onal das Forças Armadas.

• Manifestaç­ões como a nota dos chefes militares contra a CPI da Covid e a entrevista do comandante da FAB na qual disse que não haveria outra nota – o que foi interpreta­do como ameaça velada – seriam tentativas de manter o espaço das Forças no governo? Não. Aquelas manifestaç­ões são sinais de desespero, não tentativas de agarrar-se ao poder.

• Desespero com o quê? Desespero com a situação política periclitan­te do governo, que certamente afetará os militares.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO - 16/7/2021 Amorim Neto. Forças estão em ‘redemoinho bolsonaris­ta’

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