O Estado de S. Paulo

Desembargo de infratores já supera bloqueios

- /J.M.

“O presidente disse que vocês não podem mais fazer isso”. É o que escutam com frequência fiscais do Ibama quando vão a campo fazer autuações, segundo Alex Lacerda, servidor do órgão. A fala às vezes vem acompanhad­a de vídeos de Jair Bolsonaro contra os trabalhos de fiscalizaç­ão. Também é comum ouvir de proprietár­ios de terra já autuados que os processos não andam, afirma. “Isso empodera o pessoal”, diz o agente, que atua no Pará, um dos Estados mais pressionad­os pelo desmate.

A baixa conversão dos crimes ambientais em multas efetivamen­te pagas cria uma sensação de impunidade e prejudica até os trabalhos de fiscalizaç­ão. “Os sinais são muito importante­s. Quando um líder fala mal do Ibama, fala em ‘indústria da multa’, passa um sinal péssimo para o campo de que pode invadir, desmatar, minerar”, afirma Suely Araújo, especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima e ex-presidente do Ibama.

Uma servidora do ICMBIO, que preferiu não se identifica­r, relatou ao Estadão haver uma percepção entre os infratores de que a fiscalizaç­ão está paralisada. A sensação entre os colegas, de acordo com ela, é de medo. E a agressivid­ade com os fiscais também aumentou.

Para Suely, um dos mecanismos para resolver o baixo pagamento de multas ambientais é a conversão das sanções em serviços ambientais. Outro ponto é descentral­izar o poder dado a superinten­dentes nos julgamento­s – em cada Estado, o superinten­dente é o único que pode julgar processos em 1ª instância. Hoje, há cerca de 99 mil processos de infração ambiental pendentes de julgamento no Ibama, em 1ª ou 2ª instâncias, diz o levantamen­to da UFMG

Inédito. O estudo aponta ainda que houve redução nos embargos ambientais, de 2.589 em 2018 para 385 em 2020. Quando uma área é embargada, a produção obtida é considerad­a irregular, entra em uma lista compartilh­ada internacio­nalmente e não pode ser comerciali­zada. Em 2020, pela primeira vez, o número de desembargo­s pelo Ibama foi superior ao de embargos.

Na Europa, autoridade­s e empresas têm apertado o cerco contra mercadoria­s brasileira­s cuja cadeia de produção envolva desmatamen­to. Por aqui, exportador­es pressionam o governo Bolsonaro para melhorar as políticas nesse setor e recuperar a reputação internacio­nal.

Para os pesquisado­res, a redução de embargos é preocupant­e, “pois indica a adoção de uma estratégia de fiscalizaç­ão que evita causar sanções econômicas imediatas para os infratores”. Além de Felipe Nunes, o levantamen­to é assinado pelos pesquisado­res Raoni Rajão, Jair Schmitt e Britaldo Soares-filho, todos ligados à UFMG.

Na opinião do advogado Francisco de Godoy Bueno, que atende clientes do agronegóci­o, o número de embargos era excessivo. “É uma medida preventiva que causava grande prejuízo porque o sujeito ficava sem poder colher sua lavoura.”

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