‘Se o Fed não notar a inflação a tempo, pode haver recessão’
Para economista, caso a autoridade monetária dos EUA tenha de subir juros rapidamente, pode haver colapso financeiro
Em seu mais recente livro, The Great Demographic Reversal (a grande reversão demográfica), Charles Goodhart e Manoj Pradhan afirmam que a alta inflacionária que o mundo observa não é passageira e decorrente apenas dos choques da pandemia, diferentemente do que dizem muitos economistas.
Para eles, o mundo está entrando em uma fase em que os preços estarão constantemente pressionados devido à redução da mão de obra disponível globalmente – o que dará maior poder de barganha aos trabalhadores e, consequentemente, elevará os salários.
Os autores destacam que, nos últimos 30 anos, a entrada dos chineses no mercado global e o fato de grande parcela da população estar em idade economicamente ativa fizeram com que o número de trabalhadores lutando por uma vaga crescesse a patamares jamais vistos, reduzindo a inflação, mas elevando a desigualdade em países ricos. Agora, porém, chegou o momento da reversão demográfica.
Para Goodhart, se os EUA não notarem a mudança a tempo e o Federal Reserve (o Fed, o Banco Central do país) elevar a taxa de juros de forma afobada, o resultado será uma recessão global. A seguir, os principais trechos da entrevista.
• O sr. afirma que a inflação vai subir e que os governos não estão se preparando para isso. Qual será a consequência disso?
Nas economias avançadas, os Bancos Centrais (BCS) e os políticos esperam que a inflação tenha uma pequena alta na pandemia, mas que volte rapidamente ao nível de antes da covid. Isso é bastante otimista. Dadas as políticas que estão sendo adotadas, a inflação continuará mais alta do que a meta de 2%, principalmente nos EUA. O problema virá quando eles perceberem que está errada a expectativa de que os juros e a inflação vão permanecer baixos. O que farão então? Aumentar os juros rapidamente para colocar a inflação na meta é um perigo considerável. Isso colapsará os preços financeiros. E esse colapso pode levar a uma recessão.
• O sr. diz que, em geral, governos e BCS não percebem quando uma tendência inflacionária é permanente. Como avalia as políticas do governo Biden e do Fed até agora diante da alta da inflação nos EUA?
Eles estão seguindo os economistas do mainstream. De acordo com a expectativa deles, as políticas ainda estão corretas. Nós achamos que eles estão errados. Se a previsão que fizemos estiver correta – com a inflação não caindo abaixo de 4% em 2022 nos EUA –, o que eles vão fazer? Eles ainda nem começaram a pensar nos detalhes de como reagir a um cenário como esse, que acreditamos ser coerente e plausível.
• Qual seria o impacto disso nos países emergentes?
Dependerá das políticas adotadas. Se eles acharem que a inflação vai ultrapassar a meta consistentemente e se aumentarem a taxa de juros rapidamente, causando um colapso nos preços financeiros, isso levará a uma alta forte do dólar. A provável recessão causaria um problema sério nos emergentes. Foi o que aconteceu quando Paul Volcker (presidente do Fed entre 1979 e 1987) mudou a política monetária (ele elevou os juros para 20% para segurar a inflação, o que causou uma recessão). O efeito disso nos países latino-americanos foi devastador. Mas, se começarem a agir antes e de forma suave, um efeito severo nos emergentes é menos provável e vocês podem até se beneficiar da inflação nos EUA, que pode levar a um declínio leve mas constante do dólar.
• As mudanças que o sr. observa de redução da mão de obra disponível globalmente podem ter impactos nos emergentes?
Os ventos contrários à demografia dos países avançados não se repetem em vários países. Admito que não sei o perfil demográfico do Brasil, mas imaginaria que é consideravelmente melhor do que o da Europa. Assim, vocês provavelmente não terão uma pressão inflacionária como as economias avançadas. Portanto, pode haver até uma vantagem para o Brasil. Dependendo da habilidade do governo, vocês podem se tornar uma área de produção de custo relativamente mais baixo.
• O sr. aborda, no livro, como questões econômicas alavancaram o populismo de direita nos países avançados. Podemos traçar similaridades com o Brasil?
O Brasil é bastante pouco usual em um aspecto: o populismo na América do Sul é mais frequentemente ligado à esquerda. Nas economias avançadas, o populismo de direita decolou porque um grande número de trabalhadores acredita estar em uma situação ruim por causa da globalização, principalmente devido à imigração de trabalhadores mais baratos. As elites dos partidos de esquerda na Europa e na América do Norte costumam ser internacionalistas e idealistas. Elas não estavam preparadas para frear a imigração, enquanto isso era algo que a direita o fez com prazer. Isso significa que, nos EUA e na Europa, há uma grande divisão entre o que a elite dos partidos de esquerda pensa e o que é a base dos trabalhadores eleitores normais da esquerda. Isso deu uma vantagem enorme para o populismo de direita na Europa. Para mim, tudo isso vai mudar, se os resultados que estou esperando se concretizarem.
• O que o sr. espera é que o poder de barganha dos trabalhadores reduza o populismo?
Como a classe trabalhadora será menor, a situação vai melhorar para ela, sobretudo se as políticas para reduzir a inflação levarem a uma taxa de juros mais alta e a uma queda no preço dos ativos, incluindo os do setor imobiliário. Isso significa que haverá maior igualdade dentro dos países e menos terreno para populismo.
• Juros altos podem resultar em PIBS menores.
O crescimento tenderá a ser mais lento, mas não necessariamente para o trabalhador, porque haverá menos trabalhadores. A renda e a produtividade por trabalhador podem aumentar um pouco, principalmente porque, nas economias avançadas, os empregadores não serão capazes de fazer grandes lucros terceirizando as fábricas para a China.