Autonomia financeira dá poder a investidoras
Número de mulheres na Bolsa passa de 1 milhão; ter liberdade para lidar com o dinheiro ajuda a sair de relação abusiva
Os casos de violência doméstica não são raros no País. No entanto, na última semana, os brasileiros se uniram nas redes sociais em defesa de Pamella Holanda, vítima de agressões do ex-marido Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis. Apesar de esse tipo de tragédia afetar mulheres de diferentes classes sociais, religião e nível de conhecimento, a educação financeira pode ser um recurso para ajudar na redução dos casos.
Na visão de especialistas, fazendo as próprias escolhas financeiras, as mulheres estão menos sujeitas a relacionamentos abusivos domésticos ou até a situações de abuso no ambiente de trabalho.
O aumento da participação de mulheres entre investidores na Bolsa é um avanço nessa inclusão. O número de contas de mulheres na B3 ultrapassou a marca de um milhão este ano, chegando a 1.050.717 em julho. Entre as investidoras na Bolsa brasileira, 48,7% têm perfil agressivo, e 45,3% se classificam no tipo moderado.
Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela assessoria de investimentos ihub com informações da bolsa brasileira. Outro foco da pesquisa é a profissão das mulheres. A maioria delas é autônoma (20,6%), administradora (8,2%), empresária (7,6%) aposentada (5,2%) e advogada (4,4%).
A psicóloga e administradora Marleide Rocha, 42 anos, conta que começou a investir por influência de conversas com amigos e clientes que trabalham no mercado financeiro. Inicialmente, a preocupação era só com o longo prazo, e as reservas eram voltadas para essa finalidade. “Quando decidi expandir o meu consultório, percebi que poderia investir e tomar um risco um pouco maior visando a maior rendimento”, afirma.
Ela diz que uma série de clientes também sentia na pele como o dinheiro “pode servir como uma ferramenta de dominação”. “Ouvi sobre muitas mulheres ficarem reféns de relacionamentos abusivos por conta da dependência financeira após abdicar da carreira para se dedicar à casa e aos filhos”, afirma. A dificuldade da fuga de uma relação como essa ocorre, muitas vezes, pela falta de recursos da vítima. A recomendação, portanto, é investir em educação financeira desde cedo.
A experiência da brasileira Gláucia Varago, de 44 anos, estampa essa realidade. Ela, que vive nos EUA há 15 anos, diz que só começou a pensar sobre investimentos depois de sair de uma relação abusiva. Durante cinco anos ela foi casada com um homem com problemas de alcoolismo, que era o responsável financeiro da família.
Com os abusos psicológicos em casa, Varago desenvolveu um quadro de ansiedade, o que desencadeou distúrbios hormonais e suspeita de doenças degenerativas. “Fiquei com medo de como aquilo poderia afetar a minha saúde mental. Poderia até me afastar da minha filha”, diz.
Motivada pelo pensamento sobre o seu futuro e o da filha, hoje de 9 anos, ela passou a buscar independência com as finanças e acumular patrimônio para o longo prazo. “Acompanho as notícias do mundo econômico e recebo orientação de profissionais brasileiros e americanos, o que me fez ter um pouco mais de segurança”, diz.
Para a educadora financeira Luciana Ikedo, a influência masculina nas decisões financeiras ainda é muito presente. “Até a década de 1960, as esposas precisavam da autorização do marido para abrir uma conta bancária. Essa relação não muda de um dia para o outro, apesar dos avanços”, afirma Ikedo.
O aumento de apetite ao risco entre os investidores foi resultado da maior disponibilidade de informações na internet e da baixa taxa de juros durante a crise do coronavírus. Segundo Tatiana Tribiolli, assessora de investimentos da IHUB, com o conteúdo sobre finanças mais acessível e as mulheres tomando mais protagonismo no mercado de trabalho, a participação de investidoras na Bolsa (27,7% do total) tende a crescer nos próximos anos. Annalisa Dal Zotto, planejadora financeira e sócia da gestora de patrimônio Parmais, complementa que as mulheres que iniciaram os investimentos em renda variável já pesquisaram bastante sobre o mercado financeiro ou confiam em alguém com maior conhecimento. “Em geral, as mulheres conseguem o amadurecimento na carreira entre 40 e 50 anos. Os homens, com 30 a 40 anos, já conseguem altos salários porque não são interrompidos com a maternidade”, diz Dal Zotto.