O Estado de S. Paulo

Estados driblam nova regra sobre saneamento

Interpreta­ção da nova lei por parte de governador­es abre brecha para que empresas estatais mantenham serviços sem necessidad­e de concorrênc­ia; governo federal vê risco para ‘o estímulo à concorrênc­ia’, enquanto setor privado ameaça recorrer à Justiça

- Amanda Pupo

Pelo menos nove Estados – Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima – permitiram regionaliz­ação do serviço de água e esgoto com brecha à atuação das empresas estaduais públicas sem licitação.

Pilar do marco legal do saneamento, a exigência de licitação para estatais fecharem novos contratos está sendo driblada por uma guerra de interpreta­ções da nova lei. Pelo menos nove Estados – Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima – aprovaram os processos de regionaliz­ação dos serviços de água e esgoto numa modalidade que abre brecha à possibilid­ade de atuação das empresas estaduais públicas sem processo licitatóri­o.

Em vigor há um ano, o novo marco foi pensado para estimular a participaç­ão das empresas privadas no setor. A regionaliz­ação dos serviços é uma das primeiras etapas para viabilizar esse processo (leia mais nesta página).

A questão está longe de estar pacificada e opõe os agentes do segmento. A lei proibiu estatais do setor de fechar novos contratos sem licitação com os municípios. No entanto, o risco de o veto cair veio quando governos locais passaram a dividir os Estados em blocos de municípios por uma modalidade chamada microrregi­ão, em que deve prevalecer o “interesse comum”.

A justificat­iva é que, nesse formato, a lei federal menciona que a titularida­de dos serviços é também dos Estados. Com isso, o argumento é de que, sendo a estatal uma empresa do governo estadual, a prestação direta, sem concorrênc­ia, seria possível. O setor privado, no entanto, afirma que a interpreta­ção está errada e já cogita acionar a Justiça caso as gestões estaduais avancem com a ideia.

Ao enviar para a Assembleia Legislativ­a do Amazonas o projeto que cria a microrregi­ão no Estado, o governo Wilson Lima (PSC) afirmou que o texto era necessário para dar maior segurança à prestação de serviços, consideran­do a existência de “titularida­de interfeder­ativa” na microrregi­ão, “o que autoriza a prestação direta dos serviços públicos de saneamento básico pela Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama)”.

A possibilid­ade também é analisada em Roraima. Para isso, o Estado avalia fazer a transferên­cia acionária da estatal, a Companhia de Água e Esgotos de Roraima (Caer), para a microrregi­ão. À reportagem, o governo local afirmou que a decisão, seja pela privatizaç­ão ou pela criação de uma empresa do bloco (via transferên­cia da Caer), será do colegiado da microrregi­ão.

A regionaliz­ação porme iode microrregi­ões nos outros Estados não significa que todos entendam, porcon se quência, que aprestação direta pela estatal, sem concorrênc­ia, éu ma possibilid­ade. Por outro lado, a entidade que representa as estatais de saneamento confirmou que essa interpreta­ção da lei é avaliada pela associação.

Manobra. Especialis­tas afirmam que a estratégia é uma manobra para Estados manterem as estatais com o monopólio dos serviços, mesmo debaixo de dúvida de que elas possam dar conta das metas de universali­zação do saneamento, prevista para 2033. Hoje, 16,3% da população não tem fornecimen­to de água potável e mais da metade não é atendida com tratamento de esgoto.

Um estudo da GO Associados apontou quepe lo menos dez companhias públicas de saneamento não atendem a um ou mais critérios exigidos pelo novo marco e pelo decreto que regulament­a a lei. As empresas do Amazonas e de Roraima estão entre elas.

“Isso, de fato, é uma possibilid­ade jurídica que tem se estudado. Agora, cada Estado tem sua autonomia para decidir não só a microrregi­ão, masco mo sua interpreta­ção da lei. Ale ié um fato novo, e ela estabelece em um dos seus artigos que o Estado é titular conjuntame­nte com o município quando há interesse comum e a microrregi­ão. Sendo isso estabeleci­do, a empresa do Estado pode prestar diretament­e”, disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinicius Neves.

A Associação Brasileira das Concession­árias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto( Abc on)a firma que atese não se sustenta. Uma vez que os municípios que formam a região de interesse comum, e são titulares do serviço junto do Estado, não são sócios da estatal, a delegação dos serviços a essa empresa exige, sim, uma licitação, defende a entidade .“Alei admite a prestação direta dos serviços, isso é fato. Mas ela demanda concorrênc­ia quando há concessão do serviço para outro operador”, afirmou o diretor executivo da Abcon, Percy Soares Neto.

No governo federal, o entendimen­to é que as companhias estaduais não podem prestar os serviços sem licitação. “O MDR (Ministério do Desenvolvi­mento Regional) não entende ser viável qualquer companhia estadual prestar à entidade microrregi­onal serviços de saneamento”, afirmou o órgão .“Comoé de amplo conhecimen­to, éu ma diretriz do novo marco do saneamento o estímulo à concorrênc­ia”, disse a pasta.

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ALEX SILVA/ESTADAO–25/6/2020 Poluição. Lixo acumulado nas margens da represa Billings, na região metropolit­ana de SP: universali­zação do saneamento é prevista para até 2033
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