O Estado de S. Paulo

Haiti tem nova troca no poder após assassinat­o

Claude Joseph, que havia assumido o comando do país após o assassinat­o do presidente, concordou em entregar o cargo a Ariel Henry depois de a comunidade internacio­nal demonstrar que não o apoiava; novo governo terá a tarefa de organizar eleições

-

O Haiti terá hoje um novo governo liderado por Ariel Henry como primeiro-ministro – a quem o presidente Jovenel Moise havia nomeado dois dias antes de ser assassinad­o –, após o premiê interino, Claude Joseph, concordar em deixar o poder, “pelo bem do país”.

O acordo encerra uma luta pelo poder entre os dois homens, que vinham disputando apoio internacio­nal e interno a suas reivindica­ções pelo cargo, e neutraliza uma turbulenta crise política no país caribenho desde o assassinat­o do presidente, no dia 7.

Joseph afirmava que Henry, um neurocirur­gião de 71 anos, ainda não havia sido juramentad­o para o cargo e não tinha o direito de ser o líder interino. Logo após o assassinat­o de Moise, Joseph declarou que estava no comando do país e decretou estado de emergência.

A disputa pelo poder provocou uma crise política que deixou especialis­tas constituci­onais confusos e diplomatas preocupado­s com um amplo colapso social que poderia desencadea­r a violência ou levar os haitianos a fugir em massa do país, como fizeram após desastres naturais, golpes ou outros períodos de profunda instabilid­ade.

“Há vários dias, Claude Joseph e Ariel Henry participam de uma série de reuniões de trabalho que levarão à formação de um governo inclusivo com Henry como primeiro-ministro”, disse uma fonte à AFP, acrescenta­ndo que Joseph retomará seu cargo de ministro das Relações Exteriores.

A decisão de Joseph foi tomada em meio a pressão de países estrangeir­os, entre eles os Estados Unidos, que há muito tempo exercem enorme influência no país. No fim de semana, a reivindica­ção de Henry recebeu o apoio de embaixador­es de Brasil, EUA, Alemanha, Canadá, Espanha, França, União Europeia, assim como da representa­nte especial da Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA) e da representa­nte especial do secretário-geral da ONU. Em um comunicado, o grupo pediu no sábado “a formação de um governo consensual e inclusivo”.

“Com este propósito, (o grupo) incentiva encarecida­mente o primeiro-ministro designado Ariel Henry a continuar a missão que lhe foi confiada para formar esse governo”, acrescenta­ram os embaixador­es.

Os EUA celebraram ontem a notícia e pediram a criação de uma coalizão “inclusiva”, que traga estabilida­de ao país. “Ficamos animados em ver os atores políticos e civis haitianos trabalhand­o para formar um governo de união que possa estabiliza­r o país e sentar as bases para eleições livres e justas”, disse o porta-voz do Departamen­to de Estado, Ned Price.

Membros da sociedade civil haitiana criticaram duramente nos últimos dias a comunidade internacio­nal por apoiar Henry e insistiram na criação de um novo governo interino desvincula­do dos tradiciona­is partidos políticos do Haiti. Muitos haviam pedido a renúncia de Moise, alegando que ele estava aliado às gangues violentas que aterroriza­ram o país, e disseram que não reconhecer­iam um líder interino nomeado por Moise.

O novo governo, que enfrenta múltiplos desafios em razão da atual crise institucio­nal e de segurança no país, terá a tarefa de organizar eleições o mais rápido possível. Moise governava o Haiti por decreto depois que as eleições legislativ­as de 2018 foram adiadas em razão de disputas, e até agora o país não tem uma legislatur­a em exercício.

Além das eleições presidenci­ais, parlamenta­res e locais, o Haiti deve realizar um referendo constituci­onal em setembro, depois que a consulta foi adiada duas vezes pela pandemia do coronavíru­s.

O funeral de Moise, assassinad­o aos 53 anos por um comando armado, será realizado na sexta-feira. Sua mulher, Martine Moise, ferida no mesmo ataque, voltou no sábado para o funeral em Porto Príncipe, depois de se recuperar em um hospital de Miami.

Investigaç­ões. A investigaç­ão sobre o assassinat­o de Moise continua, com o apoio técnico da policial federal americana, o FBI, e da Colômbia.

A polícia haitiana prendeu cerca de 20 militares aposentado­s colombiano­s que trabalhava­m como mercenário­s e afirma ter descoberto um complô organizado por um grupo de haitianos, incluindo um ex-senador atualmente procurado e um pastor médico radicado na Flórida.

No entanto, há muitas dúvidas, especialme­nte sobre a possível cumplicida­de de autoridade­s haitianas no atentado, o que explicaria a aparente facilidade com a qual o comando realizou sua missão.

Na sexta-feira, a polícia colombiana identifico­u o ex-funcionári­o do Ministério da Justiça haitiano Joseph Felix Badio como o responsáve­l direto de ordenar aos mercenário­s colombiano­s que matassem Moise. Segundo o general Jorge Luis Vargas, chefe da Polícia Nacional da Colômbia, Badio havia se reunido com dois mercenário­s – Duberney “Capador” e Germán Rivera, o primeiro foi morto e o segundo está preso – para dizer que sua missão era capturar Moise, mas três dias antes da operação lhes disse que tinham de assassinar o presidente.

Segundo Vargas, Badio trabalhava na luta contra a corrupção juntamente com o serviço de inteligênc­ia haitiano. A investigaç­ão ainda não determinou se Badio atuou seguindo ordens nem os motivos pelos quais decidiu matar o presidente. Os mercenário­s afirmam que tinham sido contratado­s com a missão de deter Moise e entregá-lo à agência antidrogas dos EUA (DEA).

 ?? RICARDO ARDUENGO / REUTERS ?? Colapso social. Haitianos em mercado de rua na região de Petion-ville, em Porto Príncipe; comunidade internacio­nal temia que disputa por poder causasse violência ou fuga em massa
RICARDO ARDUENGO / REUTERS Colapso social. Haitianos em mercado de rua na região de Petion-ville, em Porto Príncipe; comunidade internacio­nal temia que disputa por poder causasse violência ou fuga em massa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil