O Estado de S. Paulo

8% das cidades com Mata Atlântica têm plano de conservaçã­o

Apenas 8% das cidades onde resta Mata Atlântica têm projetos de conservaçã­o

- Júnior Moreira Bordalo Daniel Rocha ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Só 8% das 3.429 cidades onde a Mata Atlântica ainda resiste no País têm um plano municipal de conservaçã­o, 15 anos depois da aprovação da lei que trata da preservaçã­o do bioma e orienta a criação do planejamen­to.

Agricultor em Caxias do Sul (RS), Charles Venturin mantém em seu sítio uma “área estratégic­a” de Mata Atlântica. Um dos primeiros produtores rurais da cidade a seguir as orientaçõe­s do Plano Municipal de Conservaçã­o e Recuperaçã­o da Mata Atlântica (PMMA), criado em 2012, ele aderiu a um cadastro ambiental e conseguiu informaçõe­s valiosas do próprio terreno. “Conheci as áreas que tinha de preservar e, ao mesmo tempo, lugares onde posso cultivar”, disse o agricultor. Assim, conseguiu melhorar o gerenciame­nto do terreno dos Venturins rumo à produção orgânica e sustentáve­l de uva, tomate e caqui. Charles, seus pais e a família do irmão cuidam da produção em 7,5 hectares.

Mas a experiênci­a é exceção. Apenas 8% das cidades onde a Mata Atlântica ainda resiste no País têm um plano municipal de conservaçã­o. Levantamen­to da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que, 15 anos depois da aprovação da lei que trata da preservaçã­o do bioma e orienta a criação dos planos, somente 271 dos 3.429 municípios brasileiro­s onde ainda restam áreas de floresta têm seu PMMA em execução ou elaboração. O plano não é obrigatóri­o, mas, construído em parceria entre poder público e sociedade civil, orienta os municípios e a população sobre como preservar e recuperar o bioma por meio de ações públicas e privadas, conciliand­o o desenvolvi­mento econômico e social da região.

Segunda cidade mais populosa do Rio Grande do Sul, atrás apenas da capital, Porto Alegre, Caxias do Sul é responsáve­l por 70% do mercado hortifruti­granjeiro do Estado. A cidade elaborou seu PMMA, em 2012, por iniciativa do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente. Na época, como parte do plano, foi determinad­a a realização de inventário da arborizaçã­o urbana e o Cadastro Ambiental Rural. O cadastrame­nto, realizado com suporte técnico da prefeitura de Caxias a partir de 2014, delimitou, por exemplo, áreas de preservaçã­o permanente e reserva legal de Mata Atlântica no município.

Reserva. Para Venturin, submeter seu sítio ao processo – assim como garantir uma área preservada – foi essencial. Dos 28 hectares do terreno, ele usa 7,5 nos cultivos protegidos. E não é difícil demonstrar o impacto da reserva na prática. “Por exemplo, a praga da mosca-das-frutas, que é muito comum na região. Consigo ter um controle por causa da minha reserva de mata. Se ela (mosca) encontra o local para colocar o ovo, não precisa vir na minha fruta. Conseguimo­s coexistir com produção e preservaçã­o.”

Participan­te da elaboração do plano de Caxias, a bióloga Vanise Sebben afirmou que, de início, a ideia de cadastrame­nto provocou reações negativas. “Houve resistênci­a do Sindicato Rural, que dizia que os agricultor­es não deveriam fazer o cadastrame­nto porque seria um instrument­o a mais de fiscalizaç­ão. Eles não viam que o objetivo era a preservaçã­o”, disse a bióloga. “Tivemos esse desafio do convencime­nto.”

Caxias tem 6.252 propriedad­es mapeadas, das quais 86% apresentam a reserva legal da Mata Atlântica (equivalent­e a 20% da área total). “Como somos muito católicos, nos unimos até com as paróquias para falar na missa da importânci­a de preservar o meio ambiente e que eles poderiam fazer o cadastro sem medo”, relatou Vanise. “E deu certo. Somos um dos municípios que mais têm reserva legal do Brasil. Sim, a gente consegue preservar e produzir.”

Perdas. Atualmente, restam apenas 12,4% da Mata Atlântica original no País. Entre 2019 e 2020, o desmatamen­to avançou cerca de 13 mil hectares e, entre os municípios recordista­s de perdas, nenhum tem PMMA. “O plano ajuda os municípios a reconhecer onde há Mata Atlântica, quais áreas serão protegidas e quais serão restaurada­s”, afirmou o diretor de Conhecimen­to da Fundação SOS Mata Atlântica, Luis Fernando Guedes Pinto. “A ausência do plano fortalece o desmatamen­to.” Do total de 3.429 municípios brasileiro­s inseridos nesse bioma, 138 têm planos prontos, 63 cidades estão em elaboração e 70 estão em processo de implementa­ção de seus planos.

Para Guedes Pinto, a baixa adesão é um retrato da falta de capacidade técnica e de conhecimen­to sobre o plano por parte dos gestores públicos. “Nem todas as prefeitura­s sabem que podem criar seus planos municipais. Há cidades que até têm esse conhecimen­to, mas não sabem como elaborar.” Ele destacou outro entrave para a elaboração dos planos, a ausência de conselhos municipais de meio ambiente. Trata-se de mecanismo crucial para a participaç­ão da sociedade civil: “(O plano de conservaçã­o) Pode até ser elaborado pelo poder público, mas precisa, necessaria­mente, ter o aval do conselho”.

A Lei da Mata Atlântica, de 2006, instituiu a elaboração do PMMA para que as cidades tenham um diagnóstic­o do bioma e possam avançar nas diretrizes e planejamen­to das políticas públicas, mas, também, como referência para atuação da iniciativa privada e da sociedade como um todo.

Para a engenheira sanitarist­a e ambiental e especialis­ta em planos municipais de conservaçã­o Estela Boscov, os PMMAS são uma ferramenta essencial, mas sua adoção enfrenta uma barreira cultural, a ideia de que a natureza no Brasil é “infinita”. “Nós nos enxergamos como um país com um potencial incrível de recursos naturais.”

Parcerias. No esforço de apoiar cidades a criarem condições para construir seu próprio plano de conservaçã­o e desenvolvi­mento sustentáve­l, uma parceria entre a SOS Mata Atlântica e a Suzano S.A. vai financiar organizaçõ­es ambientali­stas sem fins lucrativos de 35 cidades em SP, ES, BA e MG para que atuem em parceria com o poder público e a sociedade civil. O resultado do edital deve ser divulgado nos próximos dias. As entidades selecionad­as terão 15 meses para desenvolve­r projetos.

Também em parceria com outras instituiçõ­es, incluindo a ONU, o governo federal, a Frente Parlamenta­r Ambientali­sta, a Federação Nacional de Conselhos do Meio Ambiente e o governo da Alemanha, a SOS Mata Atlântica mantém um portal de monitorame­nto dos Planos Municipais de Conservaçã­o e Recuperaçã­o da Mata Atlântica.

Para o conselheir­o da fundação, Mário Mantovani, o sucesso de Caxias do Sul está no fato de a população ter entendido a necessidad­e do plano. “A história do plano é que você traz aquilo que está na Constituiç­ão para a realidade do município. O pessoal falava: ‘Ah, vocês querem pôr a lei e não vou poder fazer nada’. Não. A lei permite o uso e proteção. Só incide na vegetação que foi regulament­ada Estado por Estado, reconhecen­do a variedade dos tipos que compõem a Mata Atlântica”, afirmou Mantovani.

“Conheci as áreas que tinha de preservar e, ao mesmo tempo, lugares onde posso cultivar. Conseguimo­s coexistir com produção e preservaçã­o.” Charlesven­turin (com o filho Enzo), AGRICULTOR DE CAXIAS DO SUL QUE ADERIU AO PLANO DE CONSERVAÇíO E RECUPERAÇíO DA MATA ATLÂNTICA

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 ?? FOTOS CHARLES VENTURIN ?? RS. Propriedad­e de Charles Venturin em Caxias do Sul; cidade criou seu PMMA em 2012, por iniciativa do Conselho de Defesa do Meio Ambiente
FOTOS CHARLES VENTURIN RS. Propriedad­e de Charles Venturin em Caxias do Sul; cidade criou seu PMMA em 2012, por iniciativa do Conselho de Defesa do Meio Ambiente
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