O Estado de S. Paulo

Projeto desequilib­rado

- •✽ BERNARD APPY ✽ DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Na semana passada o relator do Projeto de Lei (PL) 2.337/21, que trata da proposta do governo de reforma do Imposto de Renda, apresentou uma versão preliminar de seu parecer. É verdade que a proposta original do governo estava mal calibrada, mas a solução proposta pelo relator ficou desequilib­rada e muito aquém do necessário para solucionar os problemas da tributação da renda no Brasil.

De forma geral, o relator apenas fez “bondades” para o setor empresaria­l, sendo a principal a ampliação da redução da tributação da renda nas empresas (que na proposta original do governo era de 5 pontos porcentuai­s) para 12,5 pontos porcentuai­s.

Como consequênc­ia, estima-se que a aprovação da proposta do relator reduziria a arrecadaçã­o em cerca de R$ 30 bilhões por ano, resultado de uma desoneraçã­o de R$ 52 bilhões do Imposto de Renda, parcialmen­te compensada pela elevação de R$ 22 bilhões da receita com outros tributos. Vale notar que essa elevação da receita de outros tributos não está garantida, pois depende da aprovação de outros projetos, não constando da proposta apresentad­a pelo relator.

Um primeiro problema do parecer é a forte redução da arrecadaçã­o, pela fragilidad­e das contas públicas brasileira­s. O relator argumenta que o aumento do cresciment­o resultante da proposta cobriria essa perda de receita, mas esse é um argumento que não se sustenta. A experiênci­a internacio­nal mostra que a redução da tributação do lucro nas empresas ou não gera cresciment­o ou, mesmo quando tem algum impacto positivo sobre o cresciment­o, não compensa a perda de receita decorrente da desoneraçã­o.

Mais sério, no entanto, é reduzir a tributação da renda em mais de R$ 50 bilhões. Há um consenso entre os especialis­tas de que a composição da carga tributária brasileira é desequilib­rada, havendo um excesso de tributação do consumo e da folha de salários e uma tributação insuficien­te da renda e do patrimônio. Mesmo que houvesse espaço para alguma redução da carga tributária (o que não é certo), seria muito melhor – inclusive do ponto de vista distributi­vo e de impacto sobre o cresciment­o – privilegia­r uma desoneraçã­o inteligent­e da folha de salários. É no mínimo estranho que o governo condicione a desoneraçã­o da folha à recriação da CPMF e, ao mesmo tempo, sinalize concordânc­ia com um projeto que reduz em R$ 50 bilhões a tributação da renda.

Para piorar, nos termos propostos pelo relator, o custo da desoneraçã­o recairia quase que completame­nte sobre os Estados e municípios. Segundo estimativa do Comsefaz, da redução de receita de R$ 30 bilhões, mais de R$ 27 bilhões seriam arcados pelos entes subnaciona­is, cujas finanças se encontram estrutural­mente muito fragilizad­as.

Idealmente, mudanças na tributação da renda no Brasil deveriam ser feitas visando a um aumento da arrecadaçã­o – que poderia compensar a redução de outros tributos. No mínimo, o projeto deveria manter a tributação da renda. A maioria dos países que reduziram a alíquota do Imposto de Renda das pessoas jurídicas o fez com medidas que ampliaram a base

Idealmente, mudanças na tributação da renda no Brasil deveriam ser feitas visando a um aumento da arrecadaçã­o

tributária, por meio da redução de benefícios e medidas antielisiv­as. O relator, ao contrário, tirou do projeto quase todas as medidas antielisiv­as propostas pelo governo (que necessitav­am ser mais bem avaliadas, mas são importante­s), dizendo que serão tratadas num projeto à parte – que, descolado das “bondades”, provavelme­nte nunca será votado. Tampouco se discutiu um aumento da tributação da renda das pessoas físicas mais ricas e um possível aumento da tributação das aplicações financeira­s.

A reforma da tributação da renda no Brasil é necessária, e a tributação na distribuiç­ão de lucros provavelme­nte será necessária para um desenho que equilibre da melhor forma possível justiça social e eficiência econômica. Mas esta reforma precisa partir de um diagnóstic­o adequado dos problemas do sistema atual e de uma avaliação dos prós e dos contras de diferentes alternativ­as para solucionar as distorções existentes.

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