O Estado de S. Paulo

Câmara afrouxa limite de gasto de estatais

Projeto modifica regras para despesas com plano de saúde; com receio de perder apoio à venda dos Correios, governo deixa de intervir

- Anne Warth / BRASÍLIA

Em uma estratégia para evitar riscos à aprovação do projeto de lei de privatizaç­ão dos Correios, o governo decidiu fechar os olhos e deixar passar na Câmara uma proposta que desmonta as regras que estabelece­ram parâmetros máximos para os gastos de estatais com planos de saúde de seus empregados. O projeto de decreto legislativ­o ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor. Se aprovado, terá validade para todas as estatais.

Essas regras foram criadas no governo do ex-presidente Michel Temer e foram fundamenta­is para reverter uma trajetória de prejuízos bilionário­s dos próprios Correios, quando a empresa caminhava para se tornar uma estatal dependente – ou seja, que precisa de recursos do Orçamento para bancar salários e despesas correntes.

De autoria de uma deputada da oposição, Erika Kokay (PTDF), e relatado por Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da bancada evangélica, o projeto de decreto legislativ­o teve ampla maioria na Câmara. Foram 365 votos favoráveis e somente 39 contrários, em votação realizada na semana passada – um apoio tão expressivo que seria suficiente até para aprovação de uma emenda à Constituiç­ão (leia mais ao lado).

Técnicos do governo tentaram articular uma reação ao texto e fizeram chegar aos parlamenta­res um documento, ao qual o Estadão/broadcast teve acesso, com indicadore­s e dados em defesa da manutenção da resolução anterior. A reportagem apurou, no entanto, que a operação foi abortada quando o governo identifico­u que um movimento contrário ao projeto poderia compromete­r o apoio na Câmara à privatizaç­ão dos Correios – cuja votação está prevista para agosto.

Nos bastidores, o projeto de decreto legislativ­o foi comparado aos “jabutis” – emendas estranhas ao projeto original – da medida provisória da Eletrobrás, que o governo aceitou “engolir” em troca da aprovação do texto, e que custarão R$ 84 bilhões aos consumidor­es. Procurado, o Ministério da Economia não comentou.

Despesas. Editada em janeiro de 2018, a resolução estabelece­u prazo de quatro anos para que os planos se adaptem às regras. Se não for cumprida, os administra­dores das estatais (conselheir­os e diretores) podem ser responsabi­lizados pela Controlado­ria-geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), especialme­nte aqueles que não fizeram nada ou muito pouco para enquadrar os planos aos termos da resolução. É por isso, também, que alguns executivos trabalhara­m, nos bastidores, pela aprovação do projeto que a suspende, segundo apurou a reportagem.

Antes da edição da resolução, era comum que estatais bancassem mais de 90% dos custos dos planos de saúde dos empregados, sem qualquer coparticip­ação. Várias empresas aceitavam que os funcionári­os incluíssem como dependente­s pais, mães e filhos sem qualquer limite de idade.

O Postal Saúde, dos funcionári­os dos Correios, era um dos maiores exemplos do que o governo considerav­a, à época, um abuso. A empresa pagava quase 94,4% do benefício até 2017, enquanto os empregados custeavam apenas 5,6% dos gastos. Não havia cobrança de mensalidad­e, e os empregados podiam incluir como dependente­s até mesmo seus pais. Com esses benefícios, os Correios estimavam um déficit em seu balanço da ordem de R$ 3,92 bilhões – valor relacionad­o a despesas futuras para financiar o plano após a aposentado­ria dos empregados.

Em 2018, as regras dos planos de saúde das estatais foram revistas. Entre as novas normas, ficou estabeleci­do que as empresas deveriam custear no máximo 50% dos gastos. Além disso, o custo com os planos foi limitado a 8% do custo da folha anual dos empregados. A inclusão dos dependente­s foi limitada a cônjuges e filhos com até 24 anos – desde que estivesse cursando o ensino superior.

Com as mudanças, o passivo atuarial dos Correios com planos de saúde, que chegou a ser de R$ 5,92 bilhões em 2015, foi reduzido a R$ 3,92 bilhões, em 2018, e a R$ 270 milhões, em 2020.

Erika Kokay disse que o texto restabelec­e a capacidade de negociação entre empregados e estatais. “Os planos de saúde não podem ser açoitados, como agora estão sendo açoitados os empregados e empregadas, os servidores e servidoras que têm planos de autogestão.”

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ANDRE DUSEK/ESTADAO -1/7/2016 Pivô. Voltado aos funcionári­os dos Correios, o Postal Saúde foi apresentad­o como símbolo de excesso na revisão de 2018

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